A Lei 12.711, de 2012, conhecida como Lei de Cotas, completa 10 anos e como a própria norma prevê, passará por revisão. A regulamentação prevê que 50% das vagas em universidades e institutos federais sejam reservadas para pessoas que estudaram em escolas públicas. Desse total, metade é destinada à população com renda familiar de até 1,5 salário mínimo per capita. Já a distribuição das vagas da cota racial e deficiência é feita de acordo com a proporção de indígenas, negros, pardos e pessoas com deficiência da unidade da Federação onde está situada a universidade ou instituto federal, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse é o ponto mais sensíveis da revisão: há projetos que propõem a extinção do caráter racial do texto, enquanto outros pretendem tornar a legislação permanente.
A moradora do distrito de Jundiapeba em Mogi das Cruzes, Letícia de Araújo Queiroz foi aprovada para cursar Ciências e Tecnologia na Universidade Federal do ABC (UFBA), em 2020, quando tinha 17 anos. Vinda de uma família de baixa renda e mulher negra, ela foi a primeira da sua família a acessar o ensino superior. O acesso só foi possível graças ao curso pré-vestibular gratuito, o Cursinho Popular Maio de 68, criado por professores voluntários para atender alunos de escola pública, tornando-os mais competitivos nos vestibulares.
Com a pandemia, Letícia acabou não dando prosseguimento ao curso e se mudou para a Irlanda com o marido, que tem cidadania espanhola. "Para me manter na universidade era necessário conseguir um trabalho, mas se você trabalha, não tem tempo de estudar e não consegue boas notas para conseguir os auxílios. No pouco tempo que estive, consegui ter acesso aos auxílios, mas não faço ideia de como sobreviveria na universidade".
Para ela, a reavaliação da Lei de Cotas é uma oportunidade para melhorar o texto, garantindo não só a chegada, mas dando condições para que as pessoas se mantenham nas universidades. "Não é fácil para muitos de nós acessarmos, para se manter então, é preciso muita convicção ou dinheiro, uma estrutura. Pensar que há propostas que pretendem extinguir o caráter racial é surreal", considerou.
Projetos que sugerem avanço no Senado
O PL 4.656/2020, do senador Paulo Paim (PT-RS), estabelece a revisão da Lei de Cotas a cada dez anos, entre outras mudanças. O projeto também propõe que as cotas sejam aplicadas aos processos seletivos em todos os cursos de graduação de instituições particulares. Para o senador, qualquer redução na política de cotas significaria "um pesado golpe nas camadas mais necessitadas e discriminadas da população". Ele ressalta que a lei trouxe avanços no acesso ao ensino superior.
“O Congresso Nacional precisa reafirmar essa política exemplar que registra, entre 2010 e 2019, o crescimento de quase 400% no número de alunos negros e negras no ensino superior”, destaca.
Já a PL 1.676/2021, do senador Rogério Carvalho (PT-SE), que considera que a ação afirmativa deve ser consolidada na legislação nacional. Na avaliação do senador, a política de reserva de vagas mudou o país para melhor. “É natural que a reserva, que se demonstrou tão bem-sucedida, se incorpore, em caráter definitivo, ao rol de políticas públicas do Estado brasileiro”, aponta Rogério no texto.
Já Confúcio Moura (MDB-RO), autor da PL 3.552/2020 considera que a política deve ser estendida por lei para os cursos de pós-graduação. Atualmente, algumas universidades, como a UnB, já adotam cotas para seus cursos de mestrado e doutorado.
Para a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), revogar o teor racial das cotas está fora de questão. Ela aponta que o Supremo Tribunal Federal já atestou a constitucionalidade da reserva de vagas e aponta que a Lei de Cotas é uma reparação histórica diante da escravidão e dos efeitos do racismo estrutural. Se depender dela, a reserva de vagas seguirá em funcionamento por muitas décadas.
“Sou a favor da prorrogação da política de cotas e por um período longo. Foram 300 anos de escravidão, o Brasil foi o último país da América Latina a libertar os escravizados, então, este país tem uma dívida histórica imensa com a população negra”, defendeu a senadora.
Divisão de ideias na Câmara
Na Câmara dos deputados as propostas são bem divergentes. Na mesma linha das propostas dos senadores estão projetos como o PL 3.422/2021, do deputado Valmir Assunção (PT-BA), que prorroga até 2062 a necessidade de revisão da Lei de Cotas.
Na contramão, está o PL 1.531/19, que elimina o critério racial de reserva de vagas em universidades e institutos federais de ensino.
“Se os brasileiros devem ser tratados com igualdade jurídica, pretos, pardos e indígenas não deveriam ser destinatários de políticas públicas que criam, artificialmente, divisões entre brasileiros, com potencialidade de criar indevidamente conflitos sociais desnecessários. Se o disposto na Carta Magna se aplica a todos os âmbitos, não se deve dar tratamento legal diferenciado para a questão racial para o ingresso na educação pública federal de nível médio e superior”, defende a autora da proposta, deputada Professora Dayane Pimentel (PSL-BA).
O texto mantém a cota para pessoas com deficiência e a cota social. O mesmo caminho é defendido pelo deputado Dr. Jaziel (PL-CE) no PL 5.303/2019, que foi apensado ao projeto da Professora Dayane Pimentel. Para ele, a lei deveria contemplar exclusivamente jovens de baixa renda e pessoas com deficiência.
“A educação superior pública, bem como o ensino médio técnico público, devem ser de acesso a todo e qualquer brasileiro, independentemente da cor e da raça. Cabe unicamente beneficiar aqueles que sejam egressos das instituições de ensino público e de baixa renda, assim como as pessoas com deficiência, critérios que são mantidos na norma legal”, argumenta o parlamentar.