As novelas, ainda nos dias de hoje, reforçam ou perpetuam preconceitos e estereóticos. Terra NÓS selecionou alguns exemplos que se chocam com as ideias feministas ao mostrar situações antiquadas ou até mesmo inaceitáveis em relação à mulher. Confira:
Lucinda: trama equivocada sobre violência doméstica
Vítima de violência doméstica nas mãos de Andrade (Ângelo Antônio) em "Terra e Paixão", Lucinda (Débora Falabella) volta e meia é questionada pelos moradores da cidade fictícia da novela das 9 sobre o fato de ainda permanecer com o marido. Apesar de ser louvável uma trama em horário nobre abordar um assunto tão sensível a milhões de brasileiras, alguns diálogos têm um viés machista e julgador em relação às escolhas da personagem. Para piorar, a história prevê um romance entre Lucinda e o delegado Marino (Leandro Lima), o que insinua nas entrelinhas que uma mulher não é capaz de se livrar sozinha de uma situação de violência. Num capítulo recente, ele a abordou de uma maneira extramente sexista e machista ao comentar que Lucinda "é uma mulher linda e que merece ser bem tratada" - como se aparência pudesse determinar a maneira de se tratar uma mulher. E o filho com albinismo é colocado como mais um "fardo" que Lucinda tem de carregar.
Helena: mulher apaixonada ou egoísta?
Que as Helenas de Manoel Carlos são adoravelmente imperfeitas, todo mundo que gosta de novela está cansado de saber. No entanto, a protagonista de "Mulheres Apaixonadas", no ar no "Vale a Pena Ver de Novo", é um poço de contradições e atitudes egoístas que tornam difícil qualquer traço de simpatia por ela. Vivida por Christiane Torloni, a personagem clama pelo direito de ser feliz no amor o tempo todo, mas demonstra responsabilidade afetiva zero com quem a cerca. Trata, por exemplo, a irmã Heloísa (Giulia Gam) como louca e chata, em vez de ajudá-la a lidar com a dependência emocional do marido.
Jenifer: feminismo x régua moral
"Vai na Fé", na faixa das 7 da Rede Globo, é uma das novelas mais feministas dos últimos tempos e tem abordado temas importantes para as mulheres como estupro e relacionamentos abusivos. Embora irrite muitas ativistas com seu moralismo mergulhado em preceitos religiosos, Jenifer (Bella Campos) é uma heroína rica e bastante realista com seus erros e acertos. Espécie de "Grilo Falante" na orelha dos outros personagens, por sempre ser a certinha a apontar os equívocos alheios, Jenifer é bem menos criteriosa na hora de avaliar a própria conduta e exigir que respeitem suas escolhas.
Graça: golpe da barriga de novo?
Em "Terra e Paixão", Walcyr Carrasco mais uma vez reproduz um clichê tão antigo quanto a história da teledramaturgia - usado, inclusive, em outras de suas novelas: o da mulher que engravida ou forja uma gravidez para forçar um homem a ficar com ela. Dessa vez, quem se coloca nessa posição degradante é Graça (Agatha Moreira), que vai engravidar do amante para enganar o noivo, Daniel (Johnny Massaro). Trata-se de uma situação batida e, no mínimo, de mau gosto num país em que a discussão sobre os direitos reprodutivos é subestimada e onde cerca de 500 crianças são registradas por dia sem o nome do pai na certidão de nascimento, segundo dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen).
Raquel: vítima e algoz
"Mulheres Apaixonadas" foi exibida pela primeira vez pela Rede Globo em 2003 e, repercussão à parte, mostra algumas situações que já pegavam um pouco mal naquela época, mas que hoje em dia confirmam que envelheceram muito mal. Uma delas é a trajetória de Raquel (Helena Ranaldi) na novela. Se de cara a professora de natação atrai a empatia do público por causa das raquetadas de Marcos (Dan Stulbach), por outro é preciso rever o quão problemático foi o envolvimento dela com Fred (Pedro Furtado), um aluno menor de idade de quem ela acaba engravidando. Alguns diálogos em que ela se refere várias vezes a ele como "amigo" podem ser tidos com exemplos claros de grooming, prática de aliciamento infantil que consiste em estabelecer uma conexão emocional com uma criança para facilitar abusos.
Joyce: amante sempre leva a culpa
De "Dancin' Days" (1978) a "Celebridade" (2003), não foram poucas as novelas que saciaram a veia vingativa do telespectador ao levar ao ar mulheres se estapeando como se estivessem num ringue de luta livre. O recurso, atualmente, é adotado com menor frequência justamente por conta das críticas dos grupos feministas, que vêem na rivalidade feminina um dos principais alimentos do machismo e do patriarcado. Mas, de tempos em tempos, retoma o horário nobre com cenas de arrepiar os cabelos como a de "A Força do Querer" (2017): Joyce (Maria Fernanda Cândido) dá uma surra em Irene (Débora Falabella), amante de seu marido, com a ajuda de Ritinha (Ísis Valverde). Para terror das feministas (e do bom senso), sequências como essa transmitem o clichê de "pivô de fim de relacionamento" sempre vinculado às mulheres, enquanto os homens comprometidos saem ilesos nos casos de traição. A novela ainda teve Bibi Perigosa (Juliana Paes) se engalfinhando com Carine (Carla Diaz) por causa de Rubinho (Emílio Dantas).
Guta: faça o que eu digo, não o que eu faço
A personagem do remake de "Pantanal" (2022) foi rejeitada pelo público por ser panfletária demais sem que o discurso correspondesse à realidade. Feminista de carteirinha, Guta (Julia Dalavia) foi chamada de "falsa progressista", "feminista de apartamento", "palestrinha" ou simplesmente "chata" no decorrer da trama por falar demais sem levar em conta o contexto em que vivia, as próprias origens e a história da mãe, Maria Bruaca (Isabel Teixeira).