Quantas vezes você já viu personagens gordas que, ao emagrecerem, tiveram a vida transofrmada e "perfeita"? Muitas, né? Infelizmente, essa ainda é uma realidade em roteiros de novelas, filmes e séries.
Por exemplo, em Insatiable, uma série da Netflix, mostra que Patty Bladell (Debby Ryan) sofria bullying na escola e decidiu que nas férias de verão faria uma dieta de três meses. Ela emagreceu, a vida começou a "fluir" e a vontade de se vingar dos colegas de sala foi crescendo dentro dela.
Já em Um Lugar Ao Sol, novela que foi transmitida no horário nobre da Rede Globo, Nicole, vivida por Ana Baird, era uma mulher gorda. Na trama, ela era filha de Santiago (José de Abreu), e irmã de Bárbara (Alinne Moraes) e de Rebeca (Andrea Beltrão) — ambas magras.
Durante toda a trama, Nicole tentou de diversas formas emagrecer. Fez dietas malucas, buscou por um acompanhamento com uma nutricionista coaching e até terminou o namoro com o Paco (Otávio Muller), porque ele era gordo e isso poderia influenciá-la a não emagrecer.
A verdade é que nenhuma dessas tentativas deram certo porque a personagem de Ana Baird tinha outros problemas que não envolviam seu peso e seu corpo. Em uma conversa divertida e reflexiva, a atriz explicou que se a proposta da novela fosse que Nicole, sua personagem, emagrecesse, ela "não teria nem aceitado" o papel.
"Vamos lembrar como foi a minha vida. Eu era a gordinha engraçada da escola pra não sofrer bullying (e dentro de casa também tinha bullying)", fala Ana.
Agora adulta, com 52 anos, ela conta que entende que essa "preocupação" para ela emagrecer quando criança era uma forma de amor e uma tentativa de alertar que "isso era muito perigoso, pois é o que a sociedade diz pra gente".
Dentre os elogios que recebia quando mais nova, ela relembra que a chamavam de "bonitinha de rosto" e não aguentava porque a frase vinha seguida de um "mas né… só depende de você", referindo-se sempre ao processo de emagrecimento.
"Se dependesse só de mim ou da minha vontade consciente… Se dieta funcionasse, eu seria magra há muito tempo. Não é possível essa mesma dor há tantos anos", conta, relembrando que, em seus diários, as maiores queixas eram sobre emagrecimento.
"A Ana parece que foi montada errado, né? Porque ela é toda fininha e depois da cintura vem essa bunda, esse quadril enorme e a perna afina embaixo. Esse pedaço do meio foi errado", essa fala foi dita dentro da própria casa da atriz e a marcou durante anos.
Ana já tentou diversas dietas e fez até uma lipoaspiração, mas entendeu que o ato de se alimentar envolve muita coisa. "Eu tentei arrumar esse pedaço do meio, fiz uma lipoaspiração e meu corpo ficou mais padrão, mais 'harmônico' e eu comecei um processo de me olhar no espelho sem me odiar. Ajudou? Ajudou! Adiantou? Não mesmo, porque o auto ódio permaneceu", conta.
A escritora Vanessa Sap traz em seu livro Temporada 1 as questões sobre o corpo. Entrevistando pessoas gordas há mais de dez anos, a escritora percebeu que existe ativismo em diversas frentes — que são necessários —, mas para quem é gordo ainda é um movimento que está no início.
"Há um momento do livro em que eu falo que em comédias românticas e filmes de maneira geral, é sempre o gordo que emagrece e fica feliz. E na vida real o que acontece é outra coisa. O gordo emagrece e descobre que, assim como todos nós, ele tem problema em todos os outros âmbitos da vida", fala Vanessa.
Mudança no corpo
A influenciadora Layla Brigido já foi magra mas, após um câncer, a jovem de 28 anos engordou. Há 11 anos, a mineira descobriu que estava doente e só foi possível investigar quando ela perdeu o movimento dos braços. Antes disso, os médicos tratavam suas dores como torcicolo.
"Eu comecei a ter muitos sintomas, além da dor que era muito forte. Eu comecei a ter calor, coceira intensa na pele e emagreci muito. Eu já era magra, mas virei uma magra não saudável. Foi um conjunto de fatores", relembra.
A influenciadora teve um linfoma de hodgkin e quando descobriram já estavam em estágio avançado. Após o tratamento e as sessões de quimioterapia, Layla acabou engordando e contou que quando começou a perder suas roupas foi um impacto.
"Eu tinha minhas roupas porque era magra, mas acabei ficando ainda mais magra no início da doença. Depois, eu perdi tudo e eu demorei para perceber porque estava focada na cura. Mas quando comecei a querer a 'roupa para sair' foi me assustando. A sociedade ensina que engordar é ruim e naquele momento era uma das piores coisas que estava me acontecendo", conta.
Assim que notou o ganho de peso, ela conta que alguns pensamentos passaram pela sua cabeça, como o fato de que "não poderia ser feliz, não poderia ser bonita e nem usar o que gostava". Para Layla, foi um momento de susto porque era um "corpo novo" e ela tinha apenas 17 anos.
"Era um corpo novo, eu era muito nova e as pessoas faziam questão de me avisar que eu estava engordando. É um desserviço o que a sociedade faz quando as pessoas estão engordando", fala.
Layla namora Luis Monteiro desde a adolescência e ele acompanhou todo o processo do câncer e do ganho de peso. A influenciadora conta que teve uma conversa com o namorado e que foi um dos dias mais marcantes, pois jurava que tudo iria acabar, mas o resultado foi contrário.
"Ele disse assim: 'Você engordou? Engordou. Mas continua sendo a mesma pessoa. Você passou por outras experiências novas que estão te fazendo crescer'. Aquilo ali mexeu muito comigo, foi muito impactante. Para Luis, o fato de ter engordado não era o primeiro plano, mas pra sociedade é isso que acontece", relembra.
O preconceito com o peso no trabalho
Ana Baird conta que seu peso já era um "problema" assim que começou na carreira de atriz e revela que perdeu alguns trabalhos por conta disso. "Perdi trabalho porque falavam: 'ah, não sei se ela vai caber no figurino'. Aumenta o figurino. Por que o tamanho da minha bunda é mais importante do que meu talento?", diz.
A nutricionista Renata Branco explica que "não podemos" associar o magro ou gordo ao sucesso da pessoa: "O que mais importa em um trabalho é o que a pessoa tem de saúde cerebral, pois interfere diretamente na sua concentração e memória laborativa".
A atriz ainda conta que fez um teste para uma peça, que tinha mais de duas mil pessoas, e ela estava disputando o papel da personagem principal: a Bela - mas não conseguiu. "Eu não fiz a personagem porque estava gorda. Tenho certeza absoluta que foi isso. Eu poderia ter feito porque tinha tudo para esse papel, mas não consegui. E uma amiga minha fazia parte da equipe e comentou que uma pessoa próxima a ela disse: 'Ah, mas a Ana não está tão bela, né?'", conta.
De bem com o corpo
Se hoje Layla Brigido é de bem com seu corpo e arrasa nos looks, lá atrás não foi bem assim. A influenciadora buscou por dietas mágicas que fossem ajudá-la a emagrecer."Eu fui em uma médica que passava aquelas dietas, que era comer três castanhas de manhã e ela nem era nutricionista", conta aos risos.
Durante o mês de março de 2022, Layla fez um projeto de 31 looks por 31 dias — ou seja, um look por dia durante todo o mês. Mas não eram apenas publicações de suas escolhas, mas sim a reprodução de looks de mulheres magras e que ela adaptou. O intuito do projeto é mostrar que a moda é para todos os corpos e que dá para usar o que lhe faz bem.
Para Rejane Toigo, estrategista em redes sociais, é importante ter pessoas que inspiram além do que buscamos e que isso acaba gerando identificação: "Vida real gera identificação e esse espaço tem crescido cada vez mais para influenciadores que compartilham o real. Acho importante e necessário".
Já a atriz Ana Baird relembra que a primeira foto de biquíni que ela postou nas redes sociais foi apenas para os seus contatos do Facebook. "Não foi confortável, não. Foi difícil. Postei a foto e coloquei na legenda: 'Eu estou me achando linda? Não. Estou confortável nesse corpo? Sim'. E comecei a entender sobre estar em conforto consigo mesma", relembra.
O processo para a atriz amar seu corpo foi longo e doloroso, afinal, é algo que ela faz todos os dias, vivendo um de cada vez. Ela lembra de um dia que foi fazer aula com uma amiga e no final ganhou uma massagem dela: "Eu comecei a chorar e falar: 'Eu só dou ódio para esse corpo. Só machuco ele'. E eu entendi que fico maltratando e dando ódio pra ele [o corpo], como ele vai me responder com beleza?".
Hoje, Ana já se permite ousar mais em suas fotos e aproveitar. "A auto aceitação vai muito mais profundo do que a sua imagem, mas a gente vai direto na imagem. Somos muito mais complexos e é preciso amar o que chamam de 'imperfeições'. O auto ódio foi embora e com o tempo eu comecei a entender que ele [meu corpo] não me incomodava mais, não me parecia mais como um defeito", fala Ana Baird.