No dia 16 de agosto começa, de fato, a campanha eleitoral. Estas eleições serão diferentes de todas as outras que já participamos, que são muitas — desde 1976, ainda na ditadura militar.
Diferente sob muitos aspectos: vamos enfrentar, pela primeira vez, a extrema direita encastelada na presidência da república e espalhada pelo nosso cotidiano, e nós, movimento negro de esquerda estamos nos preparando para fazer uma campanha em que pela primeira temos condições de fazer uma bancada federal maior e eleger um número expressivo de parlamentares negros para as Assembleias Estaduais e Câmara Federal.
No último dia 6 de junho, assistimos ao lançamento, pela Coalizão Negra por Direitos, do Movimento Quilombo nos Parlamentos e depois de muito refletir chegamos a conclusão que não só trata-se de um movimento inédito, mas de uma importância ímpar, impensável há 20 anos. E a importância se dá porque esta organização pode mudar o retrato do poder legislativo no país e isto poderá impactar diretamente as relações raciais estabelecidas, em especial, nas instituições e na sociedade brasileira.
É um passo para nos organizarmos para mudar o retrato do poder judiciário e executivo. Afinal, a representação política brasileira tem que ter a cara da maioria da população deste país, que é negra, tem que ter representação indígena e tem que ser diversa do ponto de vista de gênero e também enfrentar a heteronormatividade dos três poderes brasileiros.
Até agora, o que tínhamos era um parlamento majoritariamente masculino, branco, idoso, heterossexual e esta não é a realidade brasileira somos um país diverso e nestas eleições a população negra pode dar a tônica do que devemos ser enquanto representatividade parlamentar.
Ficamos emocionados no dia 6 de junho, ao ver mulheres negras cis e trans, homens negros jovens e maduros, mães de santo, educadoras e educadores, jornalistas, juristas, acadêmicas, militantes de todos os cantos deste país, do Rio Grande do Sul ao Pará, de Pernambuco ao Amazonas, de São Paulo a Rondônia, passando por Tocantins, Bahia, Goiás e Mato Grosso. Enfim, negras, negros e negres se preparando para lutar pelos direitos da maioria da população nos parlamentos estaduais e no federal. E a emoção sentida vem da certeza que este movimento é resultado da luta do movimento negro brasileiro na defesa da vida, na organização da resistência, na luta contra o racismo e todas as opressões desde sempre.
Ao longo dos anos, já tivemos que trabalhar para eleger candidaturas progressistas, até não negras, para conseguir ter alguma interlocução nos parlamentos. Hoje isso não cabe mais. Nestas eleições, o movimento negro tem que convencer toda a população, negra ou não, que o novo é votar em candidaturas negras que tenham compromisso com a pauta antirracista. Porque ela abarca tudo o que importa para que se tenha uma vida digna para toda a sociedade brasileira: educação pública e de qualidade, direito a terra para quem nela planta, alimentação saudável, saúde pública de qualidade e defesa do SUS, respeito à diversidade cultural, Estado laico, com respeito a toda a forma de religiosidade, moradia digna, demarcação de terras quilombolas e indígenas, direito à mobilidade urbana com transporte público e de qualidade, e uma política de segurança que garanta e respeite a vida de todos os seus cidadãos, sem diferenciação econômica, de gênero e raça. Além de termos urgência em derrubar a lei de drogas e a política de encarceramento em massa que se estabeleceu com ela.
O movimento negro brasileiro, em especial o MNU, nestas eleições, vai arregaçar as mangas para cumprir o compromisso de lutar por um parlamento plural que dê conta da realidade brasileira.
*Regina Lúcia dos Santos é coordenadora estadual do MNU-SP e Milton Barbosa é um dos fundadores e coordenador nacional de honra do MNU.
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