A semana de Vinícius Júnior foi a mais intensa de sua vida desde que chegou ao Real Madrid. Desde domingo, quando foi ofendido pela nona vez por racistas no futebol espanhol na cidade de Valência, o jogador se transformou em um símbolo da resistência contra o preconceito a negros. Seu nome correu o mundo, assim como os insultos racistas que sofreu dentro de campo. O Estadão conta tudo sobre o caso em dez atos.
O Real Madrid volta a campo pelo Campeonato Espanhol neste sábado, em partida fora de casa contra o Sevilla. Machucado, Vini Jr. é ausência confirmada.
Ato 1
Após ser vítima de racismo no Campeonato Espanhol contra o Valencia, pela nona vez na Espanha, o atacante brasileiro Vinícius Jr. fez duras críticas a LaLiga, que organiza a competição. Ele relembrou que essa não foi a primeira vez que foi alvo de insultos racistas. "Não foi a primeira vez nem a segunda nem a terceira. O racismo é o normal na LaLiga. A competição acha isso normal, a Federação também e os adversários incentivam. Lamento muito. O campeonato que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi hoje é dos racistas", disparou. Ele ainda foi expulso do jogo.
Ato 2
Manifestações começaram a aparecer nas redes e em notas oficiais de clubes e entidades no Brasil e na Europa, com repercussão mundial. A Fifa também se manifestou. Nunca havia acontecido isso com esse alcance. O sentimento de indignação aumentou nos dias que se seguiram. Pela primeira vez o treinador do Real Madrid, Carlo Ancelotti, deixou de falar de futebol para condenar as ofensas do estádio. "Não quero falar de futebol. Vocês querem falar de futebol? Foi mais que uma derrota. Não parece? Aconteceu algo que não pode acontecer. Um estádio gritando 'macaco' a um jogador. Algo está muito errado nesta liga", disse o italiano.
Ato 3
O presidente da LaLiga, Javier Tebas, rebateu Vini Jr. e disse que a competição não é racista e que o brasileiro não entendia do que estava falando. Ele teve de se explicar depois, e até pediu desculpas para o jogador, alegando ter sido mal interpretado. A sociedade cobrou os responsáveis. Queria punição. Uma onda de solidariedade se juntou ao brasileiro.
Ato 4
O governo brasileiro pegou carona no caso e o presidente Lula, lá do Japão, fez um discurso indignado ao que estava acontecendo com o brasileiro. Pediu ao Itamaraty que tomasse providências, mas sabia que não havia nada a ser feito. O Brasil não tem ingerência alguma na Espanha e no futebol do país. A CBF também cobrou o futebol espanhol. Houve manifestação em frente ao consulado espanhol em São Paulo.
Ato 5
Após ameaçar deixar a Espanha, Vini Jr. é convencido a permanecer. Ancelotti diz que ele fica no Real Madrid. Sua rescisão custaria R$ 5 bilhões. Polícia espanhola começa a prender suspeitos deste caso e de casos passados, como torcedores de Madri que fizeram um boneco com sua camisa e o enforcaram. A resposta é rápida e uma espécie de "cala a boca" dos críticos. Sete pessoas foram detidas e soltas.
Ato 6
Patrocinadores da LaLiga manifestam-se favoráveis ao jogador brasileiro e pedem providências. Vini não joga, mas é homenageado em partida do Real Madrid na quarta-feira no Santiago Bernabéu. Ele assistiu ao jogo das tribunas do estádio ao lado do presidente Florentino Pérez, com quem teve uma conversa dias antes. Jogadores vestem sua camisa e o aplaudem, assim como a torcida.
Ato 7
LaLiga se diz imponente para impedir novos ataques racistas e pede ajuda ao governo da Espanha a fim de mudanças de leis. Casos de outros brasileiros ofendidos na Espanha, como Roberto Carlos, Daniel Alves e Rivaldo, são lembrados. A ONU se manifesta: "Ataques a Vini Jr. são um lembrete brutal da prevalência do racismo no esporte."
Ato 8
Federação espanhola de futebol aplica multa ao Valencia e interdita parte do seu estádio, onde as manifestações teriam começado. O clube se revolta com a decisão. Não aceita, recorre e ganha. Técnico do time, Rubén Baraja, nega racismo contra Vinícius Júnior: 'Nos acusaram de ser o que não somos. Eu, Rubén Baraja, como treinador e pessoa do Valencia, condeno absolutamente o que aconteceu no Mestalla contra o Real Madrid. Eu sou absolutamente contra o racismo. Nós, como clube, tivemos e ainda temos jogadores negros em nosso time e os amamos e respeitamos como pessoas acima de tudo".
Ato 9
O ódio contra Vini não acaba. Foto do jogador em Madri é rasgada por torcedores não identificados. Cartaz tinha brasileiro ao lado de Benzema. Jogador é poupado dos treinos e se cala. Garotos de sua cidade em São Gonçalo se solidarizam na escolinha de futebol.
Ato 10
Torcedores que insultaram Vini Jr. são denunciados pelo Ministério Público de Valência. Justiça espanhola ainda vai definir se levará ou não os envolvidos para julgamento por crime de ódio. No Brasil, os ataques racistas contra o jogador serão tema de uma comissão geral no plenário da Câmara dos Deputados, na próxima terça, dia 30. A embaixadora do país no Brasil, María del Mar Fernández-Palacios Carmona, será convidada a participar do debate.
A Justiça de Valência abriu nesta sexta investigação para apurar a prática de crime de ódio contra Vini. O brasileiro e três torcedores identificados como autores dos insultos racistas foram convocados para prestar depoimento. O jogador irá depor por videochamada, ainda sem data definida.