Em um mundo cada vez mais diverso e inclusivo, a igualdade de oportunidades é um valor fundamental. No entanto, a realidade enfrentada por muitas pessoas com deficiência ao buscar educação e emprego ainda é marcada por desafios significativos. Quando o assunto é deficiência, o maior obstáculo para essas pessoas, é, sem dúvidas, a falta de conscientização da sociedade.
Pessoas com deficiência têm menor acesso à educação
No Brasil, o acesso à educação é um direito garantido pela Constituição Federal. No entanto, para as pessoas com deficiência, essa garantia nem sempre se traduz em oportunidades reais. Segundo dados do IBGE, a taxa de analfabetismo das pessoas com deficiência é de 19,5%, enquanto a das pessoas sem deficiência é de 4,1%.
A disparidade na taxa de analfabetismo entre pessoas com deficiência e aquelas sem deficiência, como revelada pelos dados do IBGE, evidencia as dificuldades que muitas pessoas PcD enfrentam logo no início de suas vidas, ao buscarem acesso à educação. Essa lacuna alarmante reflete barreiras significativas, desde a falta de estrutura escolar adaptada até a discriminação e a falta de sensibilização por parte da sociedade.
Essas dificuldades no início da vida escolar podem ter impactos profundos e duradouros, limitando o desenvolvimento educacional e o acesso a oportunidades no futuro.
“Acessibilidade para pessoas com deficiência não se resume apenas a rampa e elevador’
O aluno com deficiência física enfrenta inúmeras barreiras desde o início de sua jornada educacional, ao tentar se incluir na sala de aula. Muitas vezes, a falta de acessibilidade nas escolas, a ausência de recursos adequados e a falta de conscientização por parte dos educadores e colegas podem tornar essa inclusão desafiadora.
A educação inclusiva deixa a desejar no Brasil, é o que garante o influenciador digital Ivan Baron, “Acredito que o sistema educacional inclusivo é muito precário por não haver o investimento que merece. Acessibilidade para pessoas com deficiência não se resume apenas a rampa e elevador, vai muito além disso, é preciso capacitar os profissionais que irão atender esse público para que assim gere o gosto de frequentar o ambiente escolar e não tenha tanta evasão das pessoas com deficiência.
Influenciador e ativista da luta anticapacitista, Baron, com apenas 25 anos, ganhou milhares de seguidores nas redes sociais ao usar sua voz como um instrumento em prol da defesa dos direitos das pessoas com deficiência.
Ivan teve uma infecção alimentar, a meningite viral, quando tinha 3 anos de idade. A doença deixou como consequência a paralisia cerebral, que ocasionou a deficiência física e mobilidade reduzida.
Escolhido pela ONU no Pacto Global para atuar em temas como o anticapacitismo, não foi na sala de aula que o ativista aprendeu sobre o tema.
“Eu aprendi sobre o tema de inclusão e luta anticapacitista de uma forma muito autodidata, não tive acesso a esse conhecimento em instituições educacionais, mas o fato de eu ser uma pessoa com deficiência me fez ir além do senso comum e me aprofundar mais até virar um ativista e de alguma forma inspirar que outras pessoas façam a mesma coisa” afirmou Baron.
Com a popularidade nas redes sociais, Baron voltou às escolas e passou a realizar palestras sobre o capacitismo por todo país, em prol da luta de uma educação realmente para todos, como ele conta “precisamos pensar em uma educação inclusiva que vá além de integrar um estudante com deficiência na sala de aula regular, que ela INCLUA de fato respeitando o seu ritmo de aprendizagem e dando as condições necessárias de educação.”
“Conseguir acesso à educação deveria ser o mínimo, mas até o mínimo foi muito difícil pra mim.”
A conquista do acesso à educação é um direito fundamental que deveria ser garantido a todos, sem exceção. No entanto, para muitos alunos com deficiência, essa jornada se torna uma batalha árdua, desde os primeiros anos de vida, atrelando a escola, à uma experiência de traumas e dores.
Para Maju de Araújo, modelo internacional com síndrome de down, ativista e influenciadora digital, relata: “Sinceramente não tive experiência positiva significativa. Conseguir acesso à educação deveria ser o mínimo, mas até o mínimo foi muito difícil pra mim. As pessoas não nos enxergam como parte do “Todos”. Nos negam as oportunidades por conta da nossa deficiência sem conhecer nossos potenciais.
Os estereótipos frequentemente perpetuam a ideia equivocada de que pessoas com deficiência são limitadas em suas capacidades, o que resulta em expectativas mais baixas e oportunidades reduzidas. Além disso, a falta de preparo das instituições educacionais para acomodar as necessidades específicas desses alunos cria barreiras adicionais.
“A escola é um espaço onde a inclusão deve se perpetuar, não o capacitismo.”
Sucesso no mundo das passarelas, a modelo Maria Julia de Araújo, ou Maju de Araújo, tem mostrado que a deficiência não precisa ser uma limitação para os sonhos. Mas é ao lembrar do ambiente escolar, que a modelo, ao lembrar da sua jornada, desabafa: “A escola deveria ser um reflexo da nossa sociedade, mas quando você entra na escola a proporção de PcDs na escola não é igual a proporção de PcDs na sociedade. Sem contar que quando as escolas aceitam pessoas com deficiência elas ainda não se preparam estruturalmente para recebê-las! A escola é um espaço onde a inclusão deve se perpetuar, não o capacitismo.”
Apenas 26% das pessoas com deficiência estão no mercado de trabalho.
Uma vez que as pessoas com deficiência enfrentam os obstáculos educacionais, o próximo desafio é a inserção no mercado de trabalho. A taxa de desemprego entre PcDs ainda é significativamente mais alta do que a média nacional, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A pesquisa do IBGE revela que, no final de 2022, apenas 26% das pessoas com deficiência estavam no mercado de trabalho. Entre as pessoas sem deficiência, eram 60%. Mais da metade trabalhava na informalidade. Sem deficiência, 38%.
A falta de conhecimento sobre a luta e as necessidades das pessoas com deficiência é um fator amplamente desconhecido pela sociedade, em grande parte devido à ausência de políticas públicas e ações eficazes em prol dessa causa.
A falta de investimento em conscientização e educação sobre as questões das PcD resulta em uma falta de compreensão generalizada, como comenta Maju “A falta de conhecimento e de predisposição para se relacionar com PcDs por parte de algumas pessoas é um obstáculo para oportunidades. Quando você não conhece alguém acaba por reforçar e reproduzir estereótipos!”
Maju tornou-se a primeira brasileira com síndrome de Down a brilhar nas passarelas de três eventos de moda de renome: o Brasil Eco Fashion Week, a São Paulo Fashion Week e a Semana de Moda de Milão. Além disso, a modelo alcançou a capa da prestigiada Revista Forbes, ao lado de notáveis como Gil do Vigor e Rebeca Andrade, e, no ano passado, conquistou um lugar de destaque na cobiçada lista Under 30 da revista, que celebra jovens talentos com menos de 30 anos que estão deixando sua marca indelével no mundo.
Com nome estabelecido no mercado da moda, para ela, o mercado da moda pode estar a frente de outros mercados de trabalho: “Esse meio da moda está mudando bastante principalmente em comparação aos outros mercados! Estamos no começo de uma longa transformação de um espaço que deve ser o primeiro a ser mais representativo.”
Com a visibilidade que alcançou tanto no Brasil quanto no exterior, Maju almeja criar oportunidades para que um número maior de pessoas com deficiência seja reconhecido e acolhido, respeitando tanto suas limitações quanto suas habilidades únicas, em todos os setores da vida, desde a escola, até o mercado de trabalho, provando que todas as pessoas, independente de suas limitações, são capazes.
“O recurso mais eficaz para a promoção de uma educação é abandonar a visão médica da deficiência.”
No caminho em direção a uma educação verdadeiramente eficaz e inclusiva, muitos especialistas argumentam que um dos recursos mais poderosos é o abandono da visão estritamente médica da deficiência. Em vez de focar apenas nas limitações físicas ou cognitivas dos alunos, é fundamental adotar uma abordagem mais abrangente e holística, que reconheça e valorize a diversidade de habilidades e potenciais individuais.
Para Jessica Borges, membra da Comissão Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (CNEEPEI) do MEC, o caminho da inclusão na educação é abandonar a visão médica da deficiência “O modelo da cura, do conserto, o modelo que põe o diagnóstico como ponto de partida para definir o que o indivíduo é ou não capaz de aprender. A educação pra mim é isto: encontro e partilha. Não caixas, não rótulos” e complementa “O recurso mais eficaz para a promoção de uma educação é abandonar a visão médica da deficiência.”
Jessica, mulher com deficiência, neurodivergente, mãe de um filho com deficiência, nos relata que a deficiência não deve ser vista apenas como uma condição de saúde a ser tratada, mas como uma parte natural da diversidade humana.
“Diagnóstico não dá conta da complexidade humana, porque ele deve ser o caminho para determinar o que uma pessoa é capaz de fazer ou aprender na escola? E é isto que tento partilhar com quem me acompanha. Todo dia aprendo algo e reafirmo aquilo que acredito: precisamos nos responsabilizar socialmente e entender que os problemas estruturais que vivemos hoje tem a ver com todos, não só de quem tem deficiência. Todos se beneficiam de uma sociedade mais acessível e inclusiva” afirma.
Essa mudança de paradigma permite que a educação se concentre não apenas nas limitações, mas também nas potencialidades individuais de cada aluno, criando um ambiente que valoriza a diversidade e capacita todos os estudantes a alcançar seu pleno potencial. Isso não apenas beneficia os alunos com deficiência, mas enriquece a experiência de aprendizado de toda a comunidade escolar, preparando as futuras gerações para uma sociedade mais inclusiva e compassiva.