Aliados de Bolsonaro usam desinformação para afastar ex-presidente de crise yanomami

Exposição da crise humanitária ganhou força no dia 20 quando site Sumaúma noticiou que 570 crianças yanonamis morreram no governo Bolsonaro

2 fev 2023 - 17h49
(atualizado às 17h59)
Crianças Yanomami resgatadas no domingo, dia 22, após denúncia de site
Crianças Yanomami resgatadas no domingo, dia 22, após denúncia de site
Foto: Weibe Tapeba/Sesai

Com a crescente atenção à gravidade da crise humanitária yanomami nas últimas semanas, alguns políticos e influenciadores aliados de Jair Bolsonaro (PL) passaram a espalhar alegações falsas para tentar dissociar o ex-presidente da tragédia vivida pelos indígenas. 

A exposição da crise humanitária ganhou força no dia 20, quando o site Sumaúma noticiou, com base em dados obtidos junto ao governo federal, que 570 crianças yanonamis morreram durante o governo Bolsonaro de causas evitáveis. O número representa um aumento de 29% na comparação com os quatro anos anteriores, nos governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB). 

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Dois dias depois, o blogueiro Oswaldo Eustáquio publicou no site Poder DF, registrado em seu nome, que os indígenas desnutridos seriam refugiados venezuelanos. Ele é investigado nos inquéritos das "fake news" e dos atos antidemocráticos, que correm no Supremo Tribunal Federal (STF). 

Segundo monitoramento feito pela Reuters no Facebook e no Instagram, os primeiros posts com a alegação falsa já traziam o conteúdo de Eustáquio. O assunto teve um pico de pesquisas no Google no Brasil no dia seguinte à publicação do blogueiro, de acordo com o Google Trends. 

Nas plataformas da Meta, o boato havia reunido mais de cem mil interações até o dia 24, quando foi desmentido pela Reuters Fact Check e por outros veículos de imprensa. 

A alegação falsa foi amplificada por políticos bolsonaristas, como os ex-deputados federais Coronel Tadeu (PL-SP) e Alê Silva (Republicanos-MG). O deputado federal General Girão (PL-RN) escreveu no Twitter que "os índios desnutridos são oriundos do êxodo da ditadura venezuelana" e que "encontraram abrigo e ação humanitária no Gov. Bolsonaro".

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Também foram espalhadas nas redes imagens de um médico com um colete da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), ao lado de yanomamis, como suposta prova de que as fotos foram feitas na Venezuela, pois a organização não atuaria em território brasileiro. A Opas confirmou que está fornecendo apoio técnico ao Ministério da Saúde na assistência aos indígenas no Brasil. 

O Ministério da Saúde, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e um médico que prestou atendimento no local também negaram publicamente a tese de que as pessoas desnutridas não são brasileiras. 

ENTIDADES SOB ATAQUE 

A campanha para afastar Bolsonaro da crise humanitária contou também com ataques a entidades que apoiam o povo yanomami. Parte desta narrativa foi estimulada pelo deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO), que postou um vídeo alegando que ONGs "usam a fome dos índios para conquistar mais dinheiro". Somente nos perfis do parlamentar, o conteúdo ultrapassou um milhão de visualizações. Gayer depois apagou o vídeo de seu canal no YouTube. 

O parlamentar acusou o Instituto Socioambiental (ISA), que atua há quase 30 anos na defesa de indígenas, de enriquecer mediante a venda de cogumelos cultivados pelos yanomamis, que seriam sua principal fonte de proteínas. O material também foi compartilhado pela deputada federal Bia Kicis (PL-DF), sendo assistido outras 390 mil vezes.

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O ISA publicou uma nota informando que comercializa apenas os produtos excedentes e que "toda a receita obtida é da Hutukara Associação Yanomami, que a reverte para seu povo". 

Na quinta-feira, Oswaldo Eustáquio publicou texto alegando que a associação yanomami Urihi, que denunciou a situação dos indígenas, foi condenada por desvio de 33 milhões de reais que seriam usados para alimentação e saúde, além de tratar a crise como "uma cortina de fumaça para atribuir ao ex-presidente Jair Messias Bolsonaro um rótulo de genocida, que na verdade pertence aos acusadores". 

O processo mencionado pelo blogueiro se refere a uma organização com nome semelhante que não tem vínculos com a associação que tem exposto a tragédia. 

Em paralelo, o próprio Bolsonaro busca se afastar da crise humanitária. Pelo Twitter, o ex-presidente disse que "nunca um governo dispensou tanta atenção e meios aos indígenas como Jair Bolsonaro". No Telegram, classificou as acusações de negligência como "mais uma farsa da esquerda". 

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Apoiadores do ex-presidente recuperaram um vídeo de uma visita de Bolsonaro à terra yanomami no Amazonas em 2021, repudiada por lideranças da comunidade, como sinal de que ele "cuidou" dos indígenas. Também divulgaram reportagens antigas sobre problemas enfrentados pela população, incluindo doenças e fome, omitindo o agravamento durante o governo Bolsonaro.

Por e-mail, Eustáquio repetiu à Reuters as alegações publicadas em seu site. Disse que a informação de que os indígenas são venezuelanos "foi confirmada" por um deputado venezuelano e que, no caso da organização processada por desvios, "trata-se de uma sucessão dos mesmos líderes que apenas trocam nomes, mas a corrupção sistêmica que matou os indígenas não pode ser negada".

Gayer respondeu ao pedido de comentário com uma receita culinária. Os demais citados não responderam aos questionamentos enviados pela reportagem. 

Na segunda-feira, o ministro do STF Luís Roberto Barroso determinou a abertura de uma investigação sobre a possível participação de autoridades do governo Bolsonaro na prática de supostos crimes contra comunidades indígenas, incluindo genocídio. 

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