Almerinda Farias: a sufragista negra que a história não conseguiu apagar

"Eu sempre, por instinto, me revoltei contra a desigualdade de direitos entre homem e mulher", dizia a ativista; conheça sua trajetória de luta pela participação negra feminina na política

8 mar 2022 - 12h49
Texto: Caroline Nunes | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: Reprodução/Acervo USP
Texto: Caroline Nunes | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: Reprodução/Acervo USP
Foto: Imagem mostra o momento do voto de Almerinda Farias / Alma Preta

Mulher negra, sindicalista e advogada: assim pode ser descrita a alagoana Almerinda Farias Gama. Nascida em Maceió, em maio de 1899, ela foi pioneira na atuação na política nacional, sendo parte importante do movimento sufragista brasileiro de 1932.

Apesar de nascida em Alagoas, Almerinda se mudou para o estado do Pará ainda na infância, após o falecimento do pai, o que resultou em sua criação ser de responsabilidade de uma de suas tias. Um dos seus primeiros trabalhos, ainda bem jovem, foi como datilógrafa. A partir desse ofício, Almerinda passou a escrever crônicas para o jornal A Província.

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No início da década de 1920, a alagoana se casou e teve um filho. No entanto, a criança morreu ainda na infância e seu companheiro também faleceu, em 1926, vitimado pela tuberculose.

Já sem família e trabalhando para sobreviver, Almerinda se indignou com as condições de trabalho sexistas em que ela estava inserida. Uma datilógrafa recebia, em média, 200 réis para exercer a função. Já um homem que cumprisse o mesmo ofício, recebia 300. Cansada dessa desigualdade, em 1929, Almerinda Farias rumou para o Rio de Janeiro, em busca de oportunidades de trabalho mais igualitárias.

Engajamento político

Assim que chegou à cidade do Rio de Janeiro, Almerinda já se filiou à Federação Brasileira pelo Progresso da Mulher (FBPM), presidido por Bertha Lutz (1894 - 1976), e iniciou sua luta pela emancipação da mulher, especialmente pelo voto feminino.

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"Eu sempre, por instinto, me revoltei contra a desigualdade de direitos entre homem e mulher", disse Almerinda Farias, em uma das reuniões da FBPM.

Foi de Bertha a ideia de criar o Sindicato dos Datilógrafas e Taquígrafas, reconhecido em 1933, associação da qual Almerinda foi nomeada a primeira presidente. Ainda neste ano, em junho, Almerinda participou do II Congresso Internacional Feminista, no Automóvel Club, no Rio de Janeiro, organizado pela FBPM.

No ano seguinte, em 20 de julho de 1933, indicada pelo Sindicato das Datilógrafas e Taquígrafas como delegada sindical, ela votou na escolha da bancada classista para a Assembléia Nacional Constituinte de 1934, sendo a única representante negra e feminina presente. Na ocasião, Almerinda compareceu, em homenagem à sua profissão, com uma máquina de escrever, com a qual, durante a votação, confecciou numerosas chapas para seus colegas.

No mesmo ano em que Almerinda Farias estava prestes a se formar como bacharela em Direito (1933), um manifesto de autoria de Bertha Lutz, assinado por Carmen Portinho (1903 - 2001), pela tradutora Lina Hirsh e pela advogada Maria Luisa Dória de Bittencourt (1910 - 2001) foi apresentado à seção de Legislação da Conferência Nacional de Proteção à Infância. Almerinda estava à frente do movimento de renovação cívica Ala Moça do Brasil, uma associação de cunho social e político, instalado em 28 de novembro de 1933, na sede da Ordem Mystica do Pensamento.

Advogada consciente dos direitos da classe trabalhadora

Em 18 de fevereiro de 1934, foi inaugurado o Ginásio Almerinda Gama, educandário dirigido por Laurentino Garrido, em São João do Meriti. O espaço foi batizado em homenagem à Almerinda, responsável por uma infatigável agitação das causas do ensino. Ainda em 1934, a alagoana foi uma das feministas que enviou à Assembleia Nacional o pedido de voto para artigos da futura Constituição que contemplavam os direitos da mulher.

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Almerinda Farias ainda foi uma das fundadoras do Partido Socialista Proletário do Brasil, em agosto de 1934. Ela se candidatou ao cargo de deputada federal pela legenda Decreto ao Direito ao Trabalho (Congresso Master) nas eleições para a Câmara de Deputados e para o Senado, realizadas em outubro de 1934.

Nos panfletos da campanha de Almerinda, lia-se o seguinte: "advogada consciente dos direitos das classes trabalhadoras, jornalista combativa e feminista de ação. Lutando pela independência econômica da mulher, pela garantia legal do trabalhador e pelo ensino obrigatório e gratuito de todos os brasileiros em todos os graus".

Embora não tenha sido eleita, permaneceu na política durante algum tempo como dirigente do Partido Socialista Proletário do Brasil, até a instauração do chamado Estado Novo, em 1937.

Fora da política, mas ativa na luta

Nos anos posteriores, Almerinda Farias Gama se manteve afastada das disputas políticas e sindicais, ocupando-se do ofício de poetisa, atriz, professora e tradutora de francês, inglês e espanhol.

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Em 1942, Almerinda publicou o livro de poesias 'Zumbi, no qual também foi a responsável pelas ilustrações. Em 1943, foi contratada como escrevente do 9º Ofício de Notas, onde trabalhou até 1967. Era a tesoureira da diretoria do Curso Popular Chiquinha Gonzaga, em 1947.

Em 1956, trabalhou no jornal O Dia e foi uma das dirigentes dos trabalhos realizados na instalação da Comissão de apoio à Conferência de Mulheres Trabalhadoras, na Associação Brasileira de Imprensa. Em 1992, gravou uma pequena entrevista para a organização feminista ComMulher.

Almerinda faleceu em 31 de março de 1999, em São Paulo. Atualmente, a militante é vista como uma importante desbravadora do caminho da política para as mulheres brasileiras, em especial, no que se refere às mulheres negras disputando cargos eletivos. Em 2016, a prefeitura de São Paulo instituiu o Prêmio Almerinda Farias Gama, voltado às iniciativas em comunicação social ligadas à defesa da população negra.

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