A raiva e a depressão, que poderiam ser normais, deram espaço à gratidão e à busca por oportunidades. “Eu tenho que aproveitar essa chance que Deus me deu, pois eu quase morri. Tomei uma descarga de 3400 volts e não era para eu estar aqui. Vou conseguir andar, vou conseguir me recuperar e ser feliz! Aproveitar a vida e fazer as coisas que me fazem bem, que me deixam feliz”, destaca Sabrina.
Foi nesse momento que ela decidiu resgatar uma antiga paixão para ajudar na recuperação: o esporte. Da criança que não conseguia parar quieta, segundo suas próprias palavras, Sabrina se tornou hoje recordista brasileira nos 200, 300 e 400 metros do salto em distância e campeã brasileira de ciclismo em 2021.
Em entrevista exclusiva ao Papo de Mina, a paratleta Sabrina Custódia relembra o acidente e a reabilitação, o apoio da família e o incentivo do maratonista Paulo de Almeida, que deu a primeira lâmina da prótese da perna para que ela pudesse iniciar no esporte, a experiência em outras modalidades, o encontro com seu namorado, Adriano, e como encara o capacitismo.
Papo de Mina: Como foi o seu começo no esporte?
Sabrina: Depois de três meses em recuperação, eu já estava andando e com a prótese. Tinha aprendido a comer, tomar banho e sabia cuidar de mim. Fui a uma feira de reabilitação e lá tinham vários tipos de esportes: vôlei sentado, basquete para cadeira de rodas, corrida, etc.
Naquela época eu queria fazer tudo o que aparecesse, não queria perder nenhuma oportunidade. Como já gostava de esportes, desde pequena, e não estava fazendo nada após o acidente, pensei: ‘Quero fazer esporte!’ E foi aí que comecei a treinar.
Iniciei com a natação, e o Paulo de Almeida [maratonista] me deu uma lâmina para a prótese da perna e me incentivou a começar a correr. Em 2012, tive a minha primeira competição e ali fui me apaixonando por competir, e criando outros tipos de sonhos, que não faziam parte da minha vida, de ser uma atleta. Foi então que me vi pensando: “que coisa gostosa competir, conhecer outras pessoas, com outros tipos de deficiências, outras pessoas com deficiências parecidas com a minha”. Eu via as pessoas ganhando medalhas, e achava muito legal! E já queria ser uma atleta! Queria ter um nome em algum lugar, bater recorde brasileiro, entrar em uma paralimpíada. Foi aí que comecei a treinar mesmo profissionalmente. Fazer uma alimentação correta, ter uma boa noite de sono e seguir tudo certinho para crescer no esporte.
Papo de Mina: Você teve apoio da família? Quem mais te deu suporte nesta nova empreitada?
Sabrina: Minha mãe me apoia até hoje. Eu sou filha única, e ela sempre esteve comigo, cuidando de mim e fazendo de tudo. Quando comecei a praticar esporte, ela foi a primeira a me apoiar, me acompanhar nas competições, nos treinos, dando a maior força. Às vezes, quando estou cansada e quero desistir, acho que não dá para mim, que isso é muito puxado ela diz: "Você consegue".
Nas competições, ela grita, torce por mim, fala meu nome. Eu não sei de onde ela tira tanta voz, pois eu só ouço a voz dela [risos]. É a minha maior fã!
Papo de Mina: E o quanto esse apoio funciona como combustível para você?
Sabrina: Isso me ajuda muito! Em um momento que a gente perde, acontece alguma coisa, que se machuca, dá um desânimo, né? “Poxa, será que vale a pena esse esforço todo que estou fazendo?”
Nesse desânimo, se você tem uma pessoa do meu lado que te coloca mais para baixo, você não vai conseguir crescer, realizar seus sonhos. Agora, quando tem uma pessoa do seu lado que fala: "Você vai conseguir", é diferente. Mesmo se for algo difícil, mas se tem alguém que te apoie, que te dê dicas, isso acaba motivando, inspirando a continuar firme e forte - que é um momento, e bola para frente,
Papo de Mina: Qual é o sentimento de conquistar tantos títulos na sua carreira?
Sabrina: Já participei aqui em São Paulo, no Centro Paralímpico, de competições internacionais - Open Internacional. Vem pessoas da Argentina, da Colômbia, etc. Já participei de várias competições e de várias modalidades. No atletismo, sou recordista brasileira e realizei esse sonho. Conseguir bater o recorde nos 100 metros rasos, nos 200m, 300m e 400m do salto em distância! Todos esses recordes são meus.
Em 2018 e 2019, consegui fechar o ano como segunda do ranking das Américas, e em sétimo do Ranking Mundial. E eu estava num momento tão bom até vir a quarentena. Já participei de competições de rúgbi, tênis de mesa, natação, corrida de rua, fiz o triatlo, participei de competições fora do Brasil. No meio do ano passado, quando voltaram as competições, já voltei com o ciclismo, e fechei o ano passado como campeã brasileira na minha categoria.
Papo de Mina: Como você enxerga o discurso de capacitismo dentro do esporte?
Sabrina: Eu não me vejo muito nisso de superação, de que cada vez ela está se superando. Acho que, todos nós, tanto eu que tenho uma deficiência, quanto você que não tem uma deficiência, todo mundo acaba se superando. Para mim, esse negócio de capacitismo, não cola muito. Sou uma pessoa normal, por exemplo, faço ciclismo, tenho que pedalar 50 km. No começo, não conseguia pedalar tudo isso, conforme fui treinando, hoje consigo alcançar esse número de pedalada. Independente se você tem uma deficiência ou não tem, você vai se superar! Só depende da pessoa, da cabeça dela. Às vezes, a pessoa olha e fala: "Tadinha, ela não tem as mãos, não tem a perna”, e pensa que eu não consigo fazer nada. Isso depende da gente, e eu consigo fazer tudo! Eu limpo a casa, cozinho, faço esportes, saio para resolver os problemas, a minha vida é normal. É como se eu tivesse os meus membros.
Papo de Mina: Seu namorado também é atleta paralímpico. Como vocês se conheceram?
Sabrina: Eu conheci o Adriano por causa do ciclismo. Quando veio a quarentena, ele precisou sair de São Paulo, mudou para São José dos Campos, a cidade que eu moro há cinco anos. Antes disso, a gente nunca tinha se visto, nunca tinha se encontrado. Os treinos voltaram, ali em 2020, quando deu uma melhorada, e ele começou a praticar atletismo também. Eu o via lá, mas tinha um amigo. Um dia, ele foi ao treino de bicicleta e eu estava querendo conhecer pessoas para pedalar, e tinha a intenção de ir ao ciclismo. Eu o vi na bicicleta e não perdi a oportunidade de conversar.
Ele tem uma deficiência na perna, tem a mobilidade reduzida, eu nem sabia que ele conseguia pedalar. Comecei a falar com ele, começamos a falar sobre a bicicleta e ele se ofereceu para arrumar a minha, e assim criamos uma amizade. Com as conversas, percebemos muitas coisas em comum: gosto pelos animais, natureza, acampamento, esporte, pôr do sol… somos almas gêmeas [risos]. Iniciamos um relacionamento e temos muitos planos para o futuro.
Papo de Mina: O que o esporte representa para você?
Sabrina: Hoje, sou mais feliz do que era antes [do acidente]. Em São Paulo, você vive para trabalhar, pagar o aluguel, casa, dorme e trabalho. Não tem um tempinho para viajar, curtir e se divertir. Se eu não tivesse passado por tudo o que passei, eu estaria desse jeito: casa e trabalho. Gosto dessa vida de atleta, de treinar. Depois que termina, você consegue superar isso, uma sensação maravilhosa. Nos Estados Unidos, corri 16 km, cheguei chorando. Fiquei feliz demais! Apesar das dificuldades, não tem preço, não tem palavras. Por isso, sou muito feliz, consigo conquistar o que quero, o esporte me permite isso: viajar, conhecer outras cidades, conhecer pessoas novas, trouxe meu amor, amigos que eu posso contar. Tem seus lados difíceis, mas tem o lado bom, como por exemplo, subir no pódio para pegar medalha. O esporte traz a auto estima, melhora a mentalidade. Eu indico todo mundo para fazer 15 minutos de esportes, caminhada, natação, isso vai fazer a diferença.