Há 14 anos em atividade, o coletivo Angels Volley Brazil, voltado para o público LGBTQIA+, vai muito além das quadras. O projeto, que começou apenas como um espaço para homens gays praticarem esporte, se tornou uma rede de acolhimento e de inclusão, com turmas para mulheres trans e travestis.
“O Angels surgiu a com ideia de ser uma reunião de amigos, onde eles pudessem jogar vôlei, se sentissem seguros para ser quem eles eram. Com isso, o time começou a ganhar uma proporção maior, mais visibilidade e destaque na mídia. Começamos a ser chamados para ser voz de representatividade no esporte. Há quase quatro anos criei o time feminino inclusivo trans”, disse Willy Montmann, fundador do projeto, ao Papo de Mina.
O ponto de virada para a expansão do Angels foi a vivência de Willy como um homem cis e gay. Ao lançar um olhar analítico sobre a sigla LGBTQIA+, ele identificou que, mesmo dentro da comunidade, existiam pessoas mais vulneráveis e com muito menos acesso ao esporte e qualidade de vida.
“A sigla mais vulnerável da comunidade é a letra ‘T’ e, principalmente, as mulheres trans. Convivendo com essas meninas, comecei a ver que elas tinham necessidades além das quadras, então não adiantava ser um projeto que só colocava uma bola e uma quadra e falasse: ‘Vamos jogar’”, ponderou Willy.
“Essas meninas têm em comum a evasão escolar, por volta dos 14 anos de idade, muitas foram expulsas de casa, muitas sofreram bullying na escola ou agressões. Então, existe esse abandono escolar e familiar, que faz com que elas busquem o mercado informal de trabalho. E, muitas vezes, a prostituição é a única condição de sobrevivência.”
Neste panorama, a maior parte do trabalho de Willy no projeto não está relacionado ao esporte, mas à qualidade de vida das atletas que vestem a camisa do time.
“Vou atrás de patrocínio para elas e também de todo tipo de parceria para que todas tenham desde o tênis para jogar até a cesta básica para muitas delas”, disse.
“Afinal, as oportunidades que a gente tem gerado a partir do esporte são muito maiores do que qualquer troféu. Ver que, por meio do projeto, elas conseguem emprego e mais dignidade é a maior vitória”, acrescentou.
Transformação
Atualmente, as equipes femininas são divididas em duas: um grupo mais avançado e um composto apenas por iniciantes – e muitas dessas meninas nunca tiveram qualquer contato com o vôlei antes de conhecer o projeto.
Em ambas as turmas, a faixa etária é diversa, assim como as histórias por trás das cortadas e bloqueios que elas exibem com muita destreza nos treinos.
Desde 2019 jogando no Angels, Mikaella Reis é uma das figuras de destaque no projeto. Em conversa com a coluna, ela contou como abandonou o trabalho na prostituição para se tornar professora, graças às oportunidades que recebeu enquanto atleta.
“Outras meninas que trabalhavam comigo na rua me apresentaram o projeto. Como eu queria desestressar um pouco, acabei vindo. Na época, meu trabalho era somente a prostituição e deixava o meu psicológico muito abalado em diversas partes. Então, a gente procura certos acolhimentos”, afirmou.
“Quando vim para São Paulo, eu não tinha família e ninguém para me apoiar. Então, as Angels acabaram suprindo essa falta para mim. Eu sou muito grata por cada menina, e pelo Willy, por cada conquista que tive na minha vida desde que estrei no projeto.”
Para conhecer mais histórias do Angels Volley Brazil, ouça o podcast desta segunda-feira (06) pelo Spotify do Papo de Mina ou através das demais plataformas distribuidoras de áudio.