Apelo por combate ao racismo ambiental é ignorado na Cúpula da Amazônia

Evento reuniu representantes de diversos países sul-americanos em Belém (PA); movimento negro cobrou compromisso com os direitos da população amazônica Texto: Fernando Assunção | Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

9 ago 2023 - 19h15
(atualizado em 10/8/2023 às 08h51)
Imagem mostra governantes na Cúpula da Amazônia.
Imagem mostra governantes na Cúpula da Amazônia.
Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República / Alma Preta

"O Brasil, como anfitrião deste encontro, continuará valorizando o intenso diálogo com a sociedade civil que vivenciamos nos últimos dias. Foram quase 30 mil pessoas credenciadas nos Diálogos Amazônicos, ouvimos as vozes dos povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas, mulheres, jovens e de todos aqueles que lutam e arriscam sua vida para preservar a Amazônia".

A declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no encerramento da Cúpula da Amazônia, evento ocorrido nos dias 8 e 9 de agosto em Belém (PA), enfatizou os debates levantados por movimentos sociais e populares. Apesar do discurso, a Declaração de Belém, documento que definiu as diretrizes comuns entre os oito países da região para a preservação da floresta, ignorou o racismo ambiental, tema discutido nos Diálogos Amazônicos e sistematizado em um relatório, com propostas de reconhecimento ao protagonismo dos povos negros e amazônicos e à diversidade da região, sob o mote: "Com racismo ambiental, não há justiça climática".

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Entre as propostas apresentadas pelo movimento negro aos países amazônicos, estão: o enfrentamento ao racismo ambiental como tema central dos debates da Cúpula da Amazônia e da COP-30; a promoção de economias produtivas para combater a desigualdade e a pobreza entre a população afro; a ampliação dos organismos de promoção da igualdade racial nos municípios e estados da Pan-Amazônia; dentre outros onze pontos elencados no relatório (ver abaixo), que foi lido e apresentado às autoridades na abertura da cúpula.

A plenária que discutiu o tema ocorreu no último domingo (6) e reuniu a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco; a engenheira agrônoma e ativista Nilma Bentes, fundadora do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa); Luz Estella Cortés Churta, da Organização Distrital Oswaldo Guayasamin Comuneros, da Colômbia; David Quiñónez Ayovi, do Congreso Unitário del Pueblo Afroecuatoriano/Union del Pueblo Afroecuatoriano, do Equador; e Eslin Enrique Mata Landaeta, do Cumbre Nacional Afrovenezolano, da Venezuela.

O texto da Declaração de Belém, porém, não assumiu o enfrentamento ao racismo ambiental como central e sequer reconheceu o termo. Entre os 113 pontos do documento, apenas dois citam o racismo diretamente: o 103, que decide "fortalecer a cooperação regional para a prevenção e o enfrentamento (...) do racismo na Região Amazônia, em todas as formas e dimensões, e com a incorporação da promoção e da proteção dos direitos humanos de pessoas afrodescendentes (...) como temática transversal às ações de conservação, restauração, manejo e uso sustentável da biodiversidade"; e o 104, que estabelece a implementação de "medidas para garantir um ambiente seguro e propício no qual as pessoas, os grupos e as organizações que promovem e defendem os direitos humanos, o meio ambiente, as terras, territórios e recursos dos povos indígenas e os direitos culturais possam atuar livres de racismo (...)".

O documento assinado pelas oito nações também não trouxe um veto à exploração de petróleo na região, tema que gerou protestos no primeiro dia da Cúpula da Amazônia. Na Marcha dos Povos da Terra Pela Amazônia, que ocupou as ruas de Belém durante a manhã da terça-feira (8), uma das reivindicações era pela "Amazônia livre de petróleo". Nos cartazes, a cobrança: "A COP vai passar e quantas manchas vão ficar?". Mas o tema teve pouco espaço na Declaração de Belém, que apenas falou em "iniciar um diálogo" sobre a sustentabilidade de setores como "mineração e hidrocarbonetos".

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Ministra da Igualdade Racial anunciou criação de comitê do monitoramento da Amazônia Negra e Combate ao Racismo Ambiental

No domingo (6), antes do início da Cúpula da Amazônia, nas discussões da sociedade civil, a ministra Anielle Franco, da Igualdade Racial, anunciou a criação do comitê de monitoramento da Amazônia Negra e Combate ao Racismo Ambiental.

A instância deve ser criada em parceria com o Ministério do Meio Ambiente com a finalidade de propor medidas de enfrentamento ao Racismo Ambiental na Amazônia Legal, para reduzir o racismo ambiental na região. O comitê irá, também, contribuir com a ampliação dos órgãos de promoção da igualdade racial nos municípios e estados da região, para que as políticas de igualdade racial cheguem de maneira efetiva.

"Colocar nossos povos tradicionais, comunidades quilombolas, povos de terreiro no protagonismo da proteção da Amazônia é dever não só do governo brasileiro, mas do mundo", disse Anielle.

No relatório da plenária, os movimentos pediram o reconhecimento, pela Cúpula da Amazônia, com o compromisso firmado pela ministra no Diálogos da Amazônia, mas a medida também não foi assumida no Documento de Belém.

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Cúpula da Amazônia

A Cúpula da Amazônia ocorreu nos dias 8 e 9 de agosto, no Hangar Convenções & Feiras da Amazônia, em Belém, com a presença de representantes do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, signatários do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). De acordo com o presidente Lula, anfitrião do evento, o objetivo era que "todos os países que têm floresta tenham uma posição comum nos Emirados Árabes na COP-28 e a gente mudar a discussão. E quando for 2025 (na COP-30), todas essas pessoas que defendem a Amazônia, que falam da Amazônia, mas que não sabem o que é a Amazônia, terão o direito, o prazer, de ver de perto o que é isso que tanto encanta o mundo".

Proposta do movimento negro aos países membros da OTCA:

1- Que os países amazônicos assumam compromissos com as gerações atuais e futuras deste território, em meio à crise climática causada pelo modo de produção capitalista e seu impacto nos ecossistemas e na "Pacha mama" (Terra como Mãe dos povos);

2- Que promovam uma economia produtiva para combater a desigualdade e a pobreza entre a população afro que ocupa os países da região;

3- Que trabalhem em conjunto com as comunidades afrodescendentes da região amazônica para enfrentar os desafios de construir uma diplomacia real e concreta para promover seus interesses e direitos;

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4- Que assumam o enfrentamento ao racismo ambiental como tema central nos debates da Cúpula da Amazônia e da COP-30;

5- Que os governos saldem os compromissos assumidos durante os Diálogos Amazônicos: criação do Comitê de Monitoramento da Amazônia Negra; enfrentamento ao racismo ambiental; incentivo à juventude para se organizar e atuar nos fóruns/espaços de decisão; colocar no centro do debate o encarceramento da juventude negra; incentivar as ações antirracistas nas escolas e instituições de ensino superior;

6- Que promovam o fortalecimento das políticas voltadas às populações negras dos territórios amazônicos, com a ampliação dos organismos de promoção da igualdade racial nos municípios e estados da Pan-Amazônia;

7- Que titule as comunidades quilombolas, como estratégia para preservar a Amazônia e salvar o mundo;

8- Que os países membros cumpram com a Declaração de Durban (documento elaborado na III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas. Durban, 2001) e promovam políticas de reparação histórica por meio de ações afirmativas ao povo negro/afrodescendentes;

9- Que trabalhem para garantir que o povo negro possa usar suas práticas ancestrais para o desenvolvimento de seus territórios, cultivo e para o uso da medicina tradicional;

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10- Que haja permanente escuta desses povos como protagonistas da proteção da Amazônia e da promoção da justiça climática;

11- Que se reconheça o problema da desigualdade socioambiental e do racismo ambiental e adotem medidas para combatê-los, tais como: investimentos em infraestrutura, regulação de empresas danosas ao ambiente, participação das comunidades afetadas nas decisões, adoção de um novo modelo econômico sustentável e de políticas públicas para a igualdade socioambiental.

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