A presença de pessoas de idade mais avançada em manifestações pró-Bolsonaro e a favor da intervenção militar vem reforçando a "velhofobia", o preconceito contra os idosos, na sociedade brasileira, diz à BBC News Brasil a antropóloga e escritora Mirian Goldenberg, que estuda envelhecimento há mais de 20 anos.
"Esse discurso que está associando os mais velhos ao fascismo, à extrema direita, não é só perigoso, mas criminoso. É reforçar ainda mais o preconceito. Se antes ouvíamos que velhos são 'teimosos' ou 'gagás', agora estamos ouvindo que eles são 'fascistas e de extrema direita'", diz Goldenberg, professora titular do Departamento de Antropologia Cultural do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
"Trata-se de uma pequena minoria de pessoas, e não foi com a velhice que se tornaram assim. A população mais idosa está sendo erroneamente estigmatizada. Falar que esses idosos encontraram um propósito de vida, um lugar de pertencimento, é distorcer toda a realidade dos mais velhos."
Goldenberg vê uma repetição do que já havia ocorrido durante a pandemia de covid-19, quando, segundo ela, os mais velhos foram estigmatizados como "inúteis, desnecessários e invisíveis... um peso para a sociedade", no que chama de "morte simbólica" que afeta essa faixa etária, em meio a declarações "velhofóbicas" de políticos e empresários.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os idosos (60 anos ou mais) são, atualmente, 14,7% da população ou 31,23 milhões de pessoas. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2021.
Eles foram 3,5% dos presos por invadir as sedes dos Três Poderes no início de janeiro. Segundo a lista divulgada pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape-DF), havia apenas um idoso com mais de 80 anos entre os presos e dois com mais de 70. Ao todo, 40 pessoas tinham entre 60 e 69 anos — 14 delas nascidas em 1962.
Na prática, sete em cada dez presos (765) tinham entre 40 e 60 anos, o que corrobora, de fato, a percepção de que pessoas de idade mais avançada, mas não idosos, foram maioria entre os manifestantes presos. Entre 18 e 30 anos, foram 318 presos.
Isso não significa que idosos não tenham participado dos atos antidemocráticos.
Antes, a Polícia Federal (PF) liberou 684 pessoas detidas acusadas de participarem das manifestações pró-Bolsonaro. Entre elas, estavam idosos com mais de 65 anos, mulheres que têm filhos pequenos e pessoas com comorbidades graves. Todas estavam no acampamento montado em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília.
Em 9 de janeiro, saiu da Academia da PF um ônibus lotado de manifestantes idosos. De acordo com informações divulgadas pela imprensa, eles vestiam as camisas da seleção brasileira, empunhavam bandeiras verde e amarela, e levavam a bagagem do acampamento.
Outro dado importante: sondagens realizadas pelos principais institutos de pesquisa no Brasil apontaram, a um mês das eleições, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tinha, entre os idosos, intenção de voto superior à de Bolsonaro.
Na pesquisa CNT/MDA, divulgada no dia 16 de setembro, por exemplo, Lula aparecia com 45% da intenção de votos entre os jovens de 16 a 24 anos e 47% entre os idosos de 60 anos e mais de idade. Já Bolsonaro, 36% entre os jovens e 32% entre os idosos.
Na ocasião, José Eustáquio Diniz, um dos mais prestigiados demógrafos do Brasil, escreveu em artigo para o site EcoDebate.
"É comum caracterizar a juventude como tendo um espírito participativo, contestatório, esquerdista e até revolucionário, enquanto aos idosos são atribuídas posturas conservadoras, tradicionalistas e posicionamentos mais à direita no espectro político. Mas os dados das intenções de voto nas eleições presidenciais do Brasil, em setembro de 2022, não confirmam estes estereótipos da cultura popular, especialmente aquele ditado que diz: 'Uma pessoa jovem sem simpatia pelos ideais de esquerda não tem coração e uma pessoa idosa que continua simpática aos ideais de esquerda não tem razão'".
E, em 2021, em uma das maiores manifestações de apoio a Bolsonaro, no último dia 7 de setembro, na Avenida Paulista, em São Paulo, pessoas acima de 65 anos eram apenas 8% do total de manifestantes. A maioria (51%) tinha entre 35 e 54 anos, e 19%, entre 55 e 64 anos, estimou um levantamento da Universidade de São Paulo. Na época, a Polícia Militar de São Paulo calculou em 125 mil o número de presentes.
'Puro preconceito'
Na visão de Goldenberg, a extrema direita não é alimentada pelos idosos, mas pela "falta de propósito, vazio existencial, ociosidade, entre outros elementos" que alguns especialistas, diz ela, "erroneamente" associam aos mais velhos "por puro preconceito".
"Longe de querer romantizar os idosos, não podemos classificar essas pessoas necessariamente como eleitores de extrema direta".
"Eles votam em alguém de extrema direita que é menos ameaçador do que aquele que poderia destruir os valores mais importantes na vida delas. É quase como uma autodefesa".
Goldenberg ressalva, porém, que o "medo" se tornou uma "arma para atrair os idosos ao bolsonarismo".
Mas argumenta que isso não significa que outras faixas etárias, inclusive os mais jovens, não possam ser "radicalizados".
"Existe maior vulnerabilidade dos mais velhos ao discurso que provoca medo e ameaça destruir o mundo que eles conhecem e se sentem seguros e protegidos. O WhatsApp e a mídia de extrema direita se tornaram armas poderosas para provocar medo e insegurança nos mais velhos. Eles são mais vulneráveis e sentem muito mais medo com as ameaças de destruição dos seus valores", conclui.