Dois colegas de trabalho descobriram, tardiamente, que possuíam o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Libertando-se de anos de culpa por não se encaixarem no mundo neurotípico, ou, pejorativamente, "normal" da sociedade, decidiram fundar um projeto para conscientizar a população, principalmente dentro dos estádios, sobre o assunto.
Mas o que fazer para chamar a atenção? Além da amizade e do autismo, outro ponto em comum uniu Juliana Prado e Rafael Lopes: a paixão pelo Corinthians. Com isso, eles fundaram, em abril deste ano, o "Autistas Alvinegros", presente em todos os jogos do clube na Neo Química Arena desde então.
"Eu e o Rafael tivemos diagnóstico tardio de autismo, ele com 33 e eu com 28. E a gente queria unir isso com o Corinthians, pois somos dois torcedores malucos", iniciou Juliana.
"Quem teve a ideia inicial foi o Rafa. Aliás, depois de ele confirmar que tinha autismo, me mostrou que eu também poderia me encaixar. E me encaixei mesmo, me senti livre, foi realmente uma libertação, porque antes eu não me conhecia e me culpava por ter alguns jeitos, me sentia estranha", complementou.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o autismo "é um conjunto de condições caracterizadas por algum grau de dificuldade no convívio social, na comunicação verbal e não verbal e interesses específicos por algumas atividades realizadas de forma repetitiva".
Não há só um, mas vários subtipos de autismo e, por isso, é utilizado o termo "espectro". No caso de Juliana, seu tipo é leve, de grau um, enquanto o de Rafael é considerado de leve para moderado. Seus principais traços são dificuldade de interação social, introversão e dificuldade de contato visual.
"Eu nunca tinha ido a um jogo do Corinthians, porque não me sentia segura. Para o autista, o novo assusta demais. Acabei reprimindo esse sonho de acompanhar o Corinthians por medo e insegurança. Eu não tinha com quem ir, mas o Rafa sempre foi, mesmo antes do diagnóstico, então começamos a ir juntos".
Mesmo com um espaço dentro da Arena próprio para autistas, a faixa "Autistas Alvinegros" está estrategicamente posicionada em frente às câmeras de transmissão, na arquibancada "normal", com a finalidade de chamar mais atenção e dar mais visibilidade à causa.
Foi em um jogo do Timão em casa que Cássio viu o pessoal do projeto e entrou em contato pelas redes sociais, pedindo uma camiseta e revelando que sua filha, Maria, tem autismo.
"É uma deficiência invisível, sofremos muito, e nas meninas é ainda mais difícil o diagnóstico, porque confundem com timidez. Minha mãe mesmo, quando eu era criança, falava que eu era antissocial. A faixa foi para chamar atenção e chamou. Logo no primeiro jogo, muitas pessoas nos procuraram. O Cássio, depois, nos mandou uma mensagem pelo Instagram", falou.
"Além de ir aos jogos e tentar conscientizar cada vez mais as pessoas, temos também dois grupos no WhatsApp, que acolhe o autista, mas também o familiar, pai e mãe, que batalham diariamente, porque não é fácil. Ele (Cássio) ajudou muito na questão da visibilidade. É o que eu falo: ele é gigante dentro e fora dos gramados".
Troféu Mesa Redonda
No último domingo, Cássio foi premiado com o Troféu Mesa Redonda, da TV Gazeta, como melhor goleiro. Os padrinhos, aqueles que entregaram o prêmio em suas mãos, foram justamente Juliana e Rafael.
"Eu senti que ele ficou bem feliz e surpreso com a nossa presença. Como fã, acompanhei a trajetória toda dele no clube, é um ídolo, foi algo muito mágico. O tamanho da importância que tem ele abraçar o nosso movimento, uma pessoa de muita visibilidade…Só pelo fato de ele falar sobre a filha dele, não me lembro de outros jogadores que tenham feito isso, foi importante e corajoso ele abraçar a nossa causa", disse a assistente administrativa.
No próximo ano, a ideia é expandir cada vez mais o projeto para ajudar o maior número de pessoas, seja com mais conhecimento, tratamento médico ou medicação. No momento, eles estão à procura de patrocinadores para ajudar as instituições nas quais eles se espelham.
"O Cássio falou para a gente marcar encontros em 2023 para ele tentar ajudar de outras formas também", revelou.
Padrinhos: Rafael Lopes e Juliana Prado, Fundadores do "Autistas Alvinegros" 👏🏼 pic.twitter.com/AYheSgRLD3
— Marina Bufon (@MarinaBufon) November 21, 2022
TEA na Arena
Se você tem ou conhece alguém que possui autismo, na Neo Química Arena há um espaço destinado para que esse público se sinta mais à vontade.
É uma área preparada com isolamento acústico, além de disponibilizar fones auriculares e outros materiais para interação de crianças com TEA. Para saber mais ou para comprar ingressos no setor, basta enviar um e-mail para tea@sccorinthians.com.br.
"Depois do 'Autistas Alvinegros', esse espaço passou a ser mais frequentado, pois muitos não tinham conhecimento do setor. A ideia é divulgar cada vez mais o autismo e conscientizar a população", finalizou Juliana Prado.