BA: Quilombolas denunciam obras de empresa de papel em seus territórios

Relatos de moradores apontam que intervenções da empresa Suzano para escoamento de madeira fragilizou e levou à destruição um dos principais acessos dos quilombolas a suas plantações

16 jan 2023 - 10h28
Imagem de construção de estrada que impacta os quilombolas.
Imagem de construção de estrada que impacta os quilombolas.
Foto: Imagem: Comunidades Quilombolas do Extremo Sul da Bahia / Alma Preta

No início deste mês, quilombolas do Extremo Sul da Bahia denunciaram obras realizadas por uma empresa de papel e celulose que tem impactado o território de suas comunidades. Em requerimento enviado no dia 2 de janeiro para o Ministério Público Federal (MPF) e para a Defensoria Pública da União (DPU), as comunidades pedem providências dos órgãos públicos no sentido de apurar as irregularidades que degradam o território e expõe a riscos futuros.

Segundo quilombolas da região e o documento encaminhado, as intervenções da empresa de papel e celulose Suzano para a construção de estradas para escoamento de madeira têm afetado os territórios quilombolas com degradação de mananciais e de florestas nativas, além de oferecimento de riscos à saúde física e mental, bem como a riscos causados pela intensificação do tráfego no interior dos territórios.

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As comunidades impactadas e que assinam o requerimento, além de uma petição sobre o tema, são: Volta Miúda, Naiá, Mutum (Caravelas/BA), Vila Juazeiro (Ibirapuã/BA), Rio do Sul, Helvécia, Cândido Mariano (Nova Viçosa/BA) e Mota (Itanhém/BA).

Utilização de caminhos tradicionais

Os quilombolas também denunciam que há uma degradação e utilização de caminhos tradicionais das comunidades quilombolas, principalmente pela estrada que está sendo construída em que observam processos de degradação social, ambiental e cultural.

Célio Leocádio, presidente da Associação Quilombola de Volta Miúda (APRVM), explica que ao realizar intervenções que cortam rodovias federais, iniciadas aproximadamente em novembro, a empresa também atravessa territórios quilombolas, como de Cândido Mariano e Helvécia, que estão em processos de regularização fundiária.

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"Estão sendo violados os nossos direitos. Por isso criamos o documento pedindo ao Ministério Público e à Defensoria Pública que venham intervir", destaca Célio.

A professora Roseli Constantino Ricardo, quilombola de Helvécia, relata que uma ponte que faz ligação entre os municípios de Nova Viçosa e Caravelas foi levada há aproximadamente 30 dias pelas fortes chuvas que atingiram a região. Segundo ela, a ponte é um dos principais acessos utilizados pelos quilombolas de sua comunidade para irem até suas plantações e roças e é acesso para outras comunidades da região.

De acordo com a quilombola, as intervenções da Suzano foram responsáveis por fragilizar a ponte. "Essa ponte foi totalmente levada pela água. Moradores que são mais velhos que eu, já com seus 60 anos, relatam que é a primeira vez que eles viram isso acontecer. A gente tem atribuído muito ao fato de que, desde que a Suzano começou a mexer nas estradas, inclusive na cabeceira da ponte para poder escoar sua madeira, a ponte foi muito danificada para iniciar essas intervenções que infelizmente tem sido muito lentas".

Segundo Roseli, os moradores observam que a cabeceira da ponte foi muito alterada por ação da empresa. "Eles retiraram as terras que ficam nas encostas próxima a ponte. Assim, a ponte não estava protegida o suficiente para garantir que a chuva viesse e ela permanecesse de pé. Já são quase 30 dias e a gente ainda não vê a Suzano determinar ainda um prazo para retomar essa obra ou fazer algo para improvisar uma ponte ", explica.

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Roseli também destaca que, no momento, os moradores de Helvécia precisam fazer um desvio longo para poder ir para a roça, sendo que há quilombolas que fazem o trajeto a pé. "É mais um descaso da empresa Suzano em relação aos cuidados que ela não tem com a comunidade".

Sem consulta prévia, livre e informada

Célio Leocádio também relata que as comunidades da região nunca tiveram consulta prévia, livre e informada para a realização de intervenções e empreendimentos por parte da empresa.

A consulta prévia, livre e informada é assegurada pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual o Brasil é um dos países signatários. A Convenção impõe o direito de comunidades como indígenas e quilombolas serem consultadas sempre que previstas medidas legislativas ou administrativas que possam afetá-los diretamente.

"A empresa já chegou a conversar com algumas pessoas para negociar valores para passar a estrada dentro da propriedade, mas a empresa nunca procurou lideranças das comunidades para tratar dessas questões. Nós não tivemos uma consulta prévia para ela estar discutindo sobre isso. Então é nesse sentido que a gente está pedindo ao MPF e a DPU que venham intervir, para ver até que ponto essas licenças estão legais e que, se a empresa continuar com a construção da estrada dela, que faça as compensações que as comunidades devem ter", destaca Célio.

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Vanilda Santos, doutoranda em Teoria e História do Direito pelo Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina, explica que, mesmo em quilombos não titulados, a consulta prévia, livre e informada também se aplica.

"Se aplica a todas as comunidades tradicionais desde a sua autodeclaração. Entretanto, a regra no Brasil é não realizar a consulta prévia, livre e informada. Grande parte dos gestores desconhece a Convenção ou descumpre. Muitas vezes, quando se faz algum tipo de consulta, não é livre e informada", ressalta.

De acordo com a doutoranda, há responsabilidades tanto das instituições públicas quanto privadas que devem observar o que prevê o ordenamento, como a Convenção e a própria Constituição Federal, além das legislações locais e o Direito Administrativo.

"Quando a consulta não é realizada de modo livre e informado de fato, são violados diversos direitos: ambientais, culturais, sociais, fundamentais. É atribuição do Ministério Público atuar como fiscal da lei em relação aos direitos de natureza difusa e coletiva como são os quilombolas", explica.

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Como já pontuado em matérias anteriores da Alma Preta Jornalismo, as comunidades quilombolas do Extremo Sul da Bahia em processos de regularização fundiária foram cercadas pelo monocultivo de eucalipto por conta do avanço de empresas de celulose.

Em março de 2022, houve uma audiência pública inédita marcada pelo Ministério Público Federal da Bahia e da Defensoria Pública da União para que as comunidades quilombolas do Extremo Sul do estado pudessem apontar todos os problemas desencadeados pelo avanço da monocultura do eucalipto. Entre os problemas, estão o desemprego, o êxodo rural, a contaminação da água e do solo e a redução dos biomas nativos.

Posicionamentos

A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a empresa Suzano com um pedido de posicionamento sobre as denúncias feitas pelas comunidades quilombolas do Extremo Sul da Bahia e sobre as medidas para resolver os problemas relatados. Em nota, a companhia conta estar apurando os fatos a que teve conhecimento e "reitera seu compromisso em aprofundar o diálogo com a sociedade local, de forma a preservar a sua atuação alinhada ao desenvolvimento sustentável da região".

"A companhia respeita a importância das comunidades tradicionais e de todos os seus demais públicos de relacionamento e tem como uma de suas premissas a atuação em parceria com autoridades locais na promoção de iniciativas de melhoria da qualidade viária", também informa a Suzano.

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Além disso, o Ministério Público Federal informou que já está acompanhando os fatos relatados no requerimento enviado pelas comunidades quilombolas.

"No momento, foi determinada a autuação de Notícia de Fato e requisitadas informações aos órgãos competentes do Governo do Estado. As novas informações também vão compor procedimentos já em curso no MPF, que estudam medidas compensatórias à degradação dos territórios quilombolas, medidas para a preservação de sítios históricos, estratégias para a preservação dos cursos d'água e ações de atenção à saúde das comunidades, entre outras questões investigadas", respondeu órgão.

A Defensoria Pública da União também informou que vem acompanhando situações de violações de direitos relacionados à empresa Suzano, no Extremo Sul da Bahia, há anos, e tem atuado de forma diligente nas esferas judicial e extrajudicial. "As últimas informações enviadas pela comunidade ainda estão sendo analisadas. Por ora, não temos mais informações".

Avanço da monocultura e violação de direitos obrigam quilombolas a saírem de seus territórios

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