Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, na semana passada, derrubar uma lei de Rondônia que vetava o uso de linguagem neutra nas escolas e em concursos públicos. Apesar da decisão ter repercussão geral — não automática —, outros três Estados e duas capitais brasileiras contam com legislações com restrições semelhantes.
A linguagem neutra é a substituição dos artigos feminino e masculino por um "x", "e" ou até pela "@" em alguns casos. Assim, as palavras "todos" ou "todas" podem ser substituídas por "todes", "todxs" ou "tod@s", por exemplo.
A mudança, popular principalmente na internet, ainda não tem um modelo definido. O objetivo da grafia é incluir pessoas não binárias (que não se identificam nem com o gênero masculino nem com o feminino) ou intersexo para que elas se sintam representadas no discurso.
Julgamento no STF
A lei estadual resultou de um projeto do deputado Eyder Brasil (PL), aprovado em setembro de 2021. Na época, o parlamentar defendeu que a linguagem neutra seria uma interferência ideológica no uso da língua padrão. “Temos de valorizar a língua portuguesa culta em nossas políticas educacionais e impedir que os direitos de nossos estudantes sejam violados e que essa aberração seja aplicada nas escolas do nosso estado”, disse.
Após a lei ser sancionada, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) entrou com ação direta de inconstitucionalidade pedindo ao STF a revogação da norma. A entidade sustentou que a lei apresenta preconceitos e intolerâncias incompatíveis com a ordem democrática e com valores humanos.
Em relação ao conteúdo da lei, Fachin explicou que o uso da linguagem neutra ou inclusiva visa a combater preconceitos linguísticos, que subordinam um gênero a outro, e sua adoção tem sido frequente em órgãos públicos de diversos países e organizações internacionais. Segundo ele, seria difícil imaginar a compatibilidade entre essa proibição e a liberdade de expressão garantida constitucionalmente.
Para Fachin, a proibição imposta pela lei de Rondônia é censura prévia, prática banida pela legislação nacional. Ele lembrou ainda que o STF já decidiu que o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade e a expressão de gênero e, também, que a identidade de gênero é a manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. “Proibir que a pessoa possa se expressar livremente atinge sua dignidade e, portanto, deve ser coibida pelo Estado.”
Em plenário virtual, os ministros do Supremo decidiram seguir o relator em seu posicionamento. A decisão produz o chamado efeito vinculante, firmando entendimento a ser aplicado em casos similares.
Outros Estados
Além de Rondônia, três estados e duas capitais do país têm legislação que proíbe o uso da linguagem neutra. Mesmo com o efeito vinculante, as leis existentes sobre o tema não caem automaticamente. Será preciso aguardar a publicação da decisão da Suprema Corte para saber quais serão os próximos passos.
No Paraná, também há uma lei estadual sancionada no mês passado proibindo a linguagem neutra, assim como Santa Catarina, com um decreto estadual de 2021 e nas cidades de Porto Alegre e Manaus, com leis municipais que vedam a aplicação da linguagem neutra em escolas e na administração pública.
Recentes, essas legislações foram aprovadas em meio ao crescimento de uma onda conservadora no país, que culminou com o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a defesa de pautas contrárias a direitos de grupos minoritários.
Briga política
Essa modalidade tem enfrentado oposição de grupos conservadores, entre eles alguns ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), sob o argumento de que essas variações não são reconhecidas pela norma culta do idioma. Nos últimos anos, parlamentares apoiadores de Bolsonaro investiram, no Legislativo, na promoção de leis que vedam o seu uso.
Já o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passou a adotar o pronome neutro ‘todes’ em eventos e cerimônias oficiais. “Boa tarde a todos, a todas e todes”, disse o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ao abrir o discurso de posse no dia 3, gesto que se repetiu em outros atos ao longo dos dias seguintes.
*Com informações do Estadão Conteúdo