Os dados definitivos da população por idade e sexo registrados pelo Censo 2022 só serão anunciados em setembro, mas outros levantamentos recentes já permitem que especialistas concluam que o processo de envelhecimento populacional está em curso no Brasil há muitas décadas - uma tendência mundial, aliás.
Segundo informações da divisão de Características Gerais dos Domicílios e dos Moradores 2022 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgada no último mês de junho pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de idosos no país representa 15,1% da população. "Em 2012 esse percentual era de 11,3, ou seja, um aumento de 30% significativo e que só tende a aumentar. Para efeitos de comparação, o percentual de pessoas com menos de 30 anos caiu de 49,9% em 2012, para 43,3% em 2022. Somos uma nação que está envelhecendo", atesta o economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social na Fundação Getulio Vargas.
Em 1980, somente 6,1% da população tinha mais de 60 anos. "O percentual estimado atual de 15,1% é um aumento importante que revela uma nova configuração da sociedade em termos populacionais", comenta Ana Carolina Soares Bertho, mestre e doutora em Demografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisadora da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE) do IBGE.
A nova configuração da sociedade citada pela especialista caminha junto, obviamente, com mudanças comportamentais e suas implicações. Hoje, 26 de julho, é Dia dos Avós e a proporção de idosos em curva ascendente no Brasil pode levar a acreditar que a quantidade de avôs e avós se proliferará nos quatro cantos do país. Não é bem assim, conforme Ana Carolina. "Talvez pareça paradoxal, mas, mesmo com mais idosos, acredito que a tendência será de termos menos avôs e avós. Está ocorrendo um aumento no número de casais que não querem ter filhos, de forma definitiva. Não se trata apenas de uma postergação, mas, sim, de não desejar mesmo ter filhos", observa.
A pesquisadora lembra que quando se trata de envelhecimento populacional, na demografia, isso se refere à proporção de idosos em relação aos jovens ou às crianças. "Então temos duas forças: de um lado, quando as mulheres têm menos filhos, quando a média está abaixo de 2,1 filhos por mulher, acontece o que chamamos de envelhecimento pela base, que é o estreitamento da base da pirâmide populacional. Ao longo do tempo a proporção de crianças vai reduzindo e a consequência é que os idosos passam a representar uma parcela maior dessa população", explica.
A outra força é o chamado envelhecimento pelo topo e diz respeito ao aumento da longevidade da população. Com a melhoria das condições de saúde, os tratamentos preventivos e a evolução da medicina, as pessoas estão vivendo mais tempo na condição de idosas. Não é mais tão raro encontrarmos pessoas que ultrapassem os 80 anos como era há algumas décadas.
Novo perfil à vista
Um futuro com menos avós e netos é uma projeção realista, mas já é possível vislumbrar também como serão as pessoas que vão exercer a chamada "avosidade" daqui a alguns anos. De acordo com Maria Luiza Póvoa, presidente da Comissão Nacional do Idoso do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o papel do idoso nas famílias é cada vez mais ativo.
"Já temos hoje avós que são arrimo de seus núcleos familiares, seja pela dependência dos filhos da sua renda ou pelo seu papel no cuidado dos netos. Sendo assim, eles têm uma participação mais efetiva nas decisões e na construção do futuro dessa nova geração. Acredito que em dez anos teremos avós cada vez mais ativos, que apesar da aposentadoria ainda estarão trabalhando e que assumirão responsabilidades que antes eram dos jovens", pontua.
É sempre bom lembrar que esse cenário consiste em um efeito do envelhecimento demográfico, mas também do empobrecimento da população. "Entendo que, de maneira proporcional ao seu crescimento expressivo como parcela da população, os idosos no Brasil vêm se tornando cada vez mais os responsáveis por parte das despesas de suas famílias, sejam elas de qualquer natureza. Segundo o IBGE, a porcentagem de idosos provedores no Brasil, já ultrapassa 9%, tendo esse crescimento ocorrido principalmente entre os anos de 2001 e 2015", exemplifica Naira Dutra, doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente do Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) também apresenta o dado de que pensões ou benefícios de idosos representavam, em 2021, mais da metade de toda a renda familiar em 20,6% dos domicílios no Brasil. O trabalho informal muitas vezes faz com que as famílias tenham renda insuficiente e/ou incerta.
"Recentemente passamos por períodos muito críticos em termos de desemprego ou de subemprego, especialmente entre os jovens. Então as aposentadorias se tornaram essenciais para muitas famílias por ser a única renda garantida, certa. Também temos que lembrar dos idosos que se aposentam e continuam trabalhando, seja porque alcançaram o auge da carreira mais tardiamente e estão ainda plenamente produtivos aos 60 ou 70 anos de idade, seja por necessidade", fala Maria Luiza.
Avós no mercado de trabalho
Ainda sob a ótica de Ana Carolina, da ENCE/IBGE, uma segunda tendência que veremos será dos avós que continuam trabalhando, seja porque entraram no mercado de trabalho mais tarde, seja por questões de previdência (por não atingirem o tempo necessário de contribuição) ou porque, em alguns casos, a senioridade na carreira é atingida em idades mais elevadas mesmo.
Outra mudança diz respeito ao aumento da participação da mulher no mercado de trabalho. "Há 40 anos, muitas avós estavam disponíveis para cuidar dos seus netos porque tiveram uma vida dedicada ao cuidado da casa e da família, sem nunca ter trabalhado fora. Mas hoje é diferente. Temos gerações de avós que no passado foram mães que trabalhavam fora. Muitas dessas mulheres seguem trabalhando e, entre as que se aposentaram, muitas estão vivendo suas vidas, com suas rotinas, trabalhos voluntários, uma vida social própria e independente que não gira só em torno da família. Para as próximas décadas podemos esperar uma acentuação de todos esses processos. Definitivamente, a imagem da avó cercada de netinhos se tornará cada vez mais rara", diz.
Políticas mais efetivas
Todas as fontes ouvidas por Terra NÓS nesta reportagem foram unânimes em chamar a atenção para a urgência das melhorias envolvendo a qualidade de vida dos idosos e que precisam ser colocadas em prática desde já - principalmente no que diz respeito aos quesitos saúde, bem-estar e acesso aos serviços públicos.
Ana Carolina ressalta que outros países tiveram um processo de envelhecimento mais lento que o nosso e passaram por uma adaptação mais suave em relação ao aumento de idosos. "Mas no caso do Brasil, como nossa fecundidade caiu muito rápido já no início dos anos 2000, nosso envelhecimento também tem sido rápido e isso só vai se acentuar nos próximos anos. Basta imaginarmos um grande contingente de pessoas que estavam na base da pirâmide até os anos 80 e aos poucos estão 'subindo'. Em menos de vinte anos teremos esse grande volume de pessoas cruzando esse limite dos 60 anos. Temos que estar preparados", destaca.
Já Naira Dutra, da SBGG, salienta que o Brasil já tem um conjunto importante de legislações, muitas delas embasadas no Estatuto da Pessoa Idosa, nossa principal política pública voltada à essa população, capazes de abarcar vários aspectos importantes e necessários à qualidade de vida das pessoas idosas. "O que é preciso ser feito é respeitar a legislação e buscar a adequação dessas políticas às transformações da sociedade", avisa.
Ela aponta ainda dois grupos importantes pouco contemplados por pesquisas e estudos: cuidadores familiares e idosos que residem sozinhos. "Esses dois grupos não têm nenhuma atenção governamental, sendo que, na primeira edição da Política Nacional de Saúde do Idoso havia uma recomendação para a implantação de serviços voltados aos cuidadores familiares, recomendação essa retirada da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, promulgada em outubro de 2006. Também não têm sido incluídos em pautas relacionadas às políticas públicas para o segmento, sequer como propostas de legislação. Isso realmente vem preocupando a todos nós interessados e estudiosos das questões do envelhecimento", conta.