Em um dos posts com maior engajamento no perfil profissional do Instagram de Yalla Barros, é ela mesma quem aparece na foto, com cabelos trançados no estilo nagô e box braids, blazer branco, maquiagem em tom nude, para combinar com o decote, e carão.
Mais de 100 curtidas e quase 120 comentários, entre elogios como “patroa” e emojis de fogueira, refletem a ideia que a imagem quis - e conseguiu - passar: a beleza da mulher negra tem poder.
A mensagem que a trancista e especialista em cabelos crespos e cacheados quer transmitir é a do “orgulho crespo”, como usa em algumas postagens, e se estende ao cacheado, ondulado e trançado, em uma onda de valorização que ela percebeu começar em meados de 2010, com o avanço das redes sociais na internet, e soube aproveitar bem como ideia de negócio.
“Atribuo o crescimento pela procura dos procedimentos ao fato de que as informações ficaram mais acessíveis. Hoje as pessoas na internet conseguem falar sobre a autoestima da população negra, e realmente isso vai fazendo com que o mercado cresça”, avalia.
Quando iniciou no ramo, em 2005, o mercado era restrito, não havia tanto conhecimento sobre os cuidados com o cabelo crespo, e o faturamento também era bem pequeno. Além disso, a empresária lembra que faltava um impulso a ela, que veio com a transição capilar, a auto aceitação e o fortalecimento da autoestima, ao longo de alguns anos de trabalho.
O negócio começou na sala da casa da mãe dela, na Favela do Bolão, em Maceió, com o serviço de trancista, mas na época, a adesão ao cabelo trançado e cacheado não era grande. “Eu tinha um movimento bem baixo”, lembra.
A persistência e o incentivo de pessoas próximas foi o que fizeram Yalla continuar, e o impulso dado pela “moda” do cabelo negro a tornou hoje uma das referências no segmento na cidade onde atua. “Eu tive auxílio de pessoas que estavam comigo em momentos da minha vida e me fortaleceram, aumentaram minha autoestima e me fizeram ver que eu era capaz de atingir e conseguir realizar meu sonho”, diz.
Hoje, ela tem um estúdio em um bairro nobre da capital alagoana, atende em torno de seis clientes por dia para fazer aplicações, além das que procuram só corte de cabelo, e cobra entre 50 e 350 reais por procedimento. Mesmo com o impacto que a pandemia provocou no fluxo de clientes e com um gargalo que ainda enfrenta no negócio - a escassez de mão de obra especializada -, o salão se mantém como principal fonte de renda da empresária.
De mãe para filhas
No mesmo bairro nobre de Maceió, Rytchaela Ferreira gerencia o salão de propriedade da família. Ela e a mãe se dividem na administração e nos serviços para cabelos cacheados e crespos, e atendem de 15 a 20 pessoas por semana.
O negócio começou com a mãe, Cardinete Ferreira, há 20 anos, primeira pessoa a abrir um salão afro em Maceió, e de lá para cá foram muitos obstáculos até chegar a ter um prédio próprio que mantém, além da família, quatro funcionárias.
“A minha mãe já trançava o nosso cabelo quando a gente era muito pequena. E há 20 anos, ela acreditou que mulheres negras precisavam ser cuidadas, que o nosso cabelo precisava ser valorizado. Ela meteu a cara quando o cabelo afro não era valorizado. No começo, foi muito difícil, mas hoje é motivo de muita alegria ver o quanto isso cresceu”, comemora Rytchaela.
No início, as duas enfrentaram além do preconceito, a falta de informações para se qualificar. Cardinete precisou buscar cursos fora de Alagoas para aprimorar o trabalho e, de volta para casa, passava tudo o que aprendia para as filhas. Hoje, o salão também promove cursos e capacitações sobre como tratar o cabelo crespo e cacheado.
“Fomos o primeiro salão afro de Maceió, e hoje vemos tantas outras mulheres trabalhando com o afro. Eu vejo esse fenômeno com grande orgulho e sempre falo para as minhas clientes: ‘Hoje os negros estão no topo’. Nosso estilo de cabelo, nosso estilo de vida. Por muito tempo fomos aprisionados. Nem sei explicar, mas tenho uma felicidade imensa”, confessa.
Se o negro hoje está no topo, uma luta antiga, atemporal, de descontrução de estereótipos é logo apontada como responsável pelo fenômeno pela professora, ativista negra e coordenadora do Instituto Raízes de Áfricas, Arísia Barros. O negro estar na “moda” é algo que ela vê como positivo, mas ressalta que ostentar com orgulho o cabelo crespo, cacheado ou trançado ainda é parte de uma frente de resistência para quebrar o racismo estrutural.
“Nossos cabelos de pretas e pretos passaram a ser vistos como algo comercializável, aceitável socialmente. Virou vitrine de beleza, e isso é bom, pois além de gerar renda, vai estabelecendo espaços de visibilidade positiva. Entretanto, é imprescindível dizer que o racismo no Brasil é um camaleão esquizofrênico e poliglota e, em muitos e tantos momentos, esse cabelo afro se torna metralhadora de ódio apontada para nossos corpos”, afirma.
Antes do poder, o empoderamento
As histórias de vida das mulheres negras que empreendem no setor de beleza geralmente têm algo em comum: contam muito de um processo muitas vezes doloroso, que passa pelo enfrentamento ao preconceito e à opressão até alcançar o empoderamento.
Yalla Barros sabe bem o que é essa realidade. Estudante de escola particular na adolescência, ela lembra das inúmeras tentativas de se encaixar em padrões para se sentir aceita, em um período da vida que ainda não se reconhecia como mulher negra.
Quando passou pela transição capilar - processo em que a pessoa abandona os procedimentos químicos para deixar o cabelo natural -, ela nem conhecia essa expressão hoje tão usual. A decisão, inicialmente, foi involuntária, depois que teve um corte químico. Os produtos que Yalla usava no alisamento enfraqueceram os fios ao ponto de quebrá-los, e ela se viu forçada a parar de alisar.
“Todo esse processo me trouxe autoconhecimento e, com certeza, uso essas ferramentas para fazer um atendimento mais acolhedor com as minhas clientes. A experiência faz com que a gente tenha mais sensibilidade, porque a gente sabe que as mulheres negras passaram anos para encontrar um espaço onde fossem acolhidas, onde não precisassem modificar a estrutura do cabelo, onde as pessoas pudessem verdadeiramente admirar o cabelo dela. É um processo de fortalecimento”, considera.
A professora Arísia Barros lembra que assumir o cabelo afro ainda não é tarefa confortável para muitas mulheres pretas, assim como também não o é para os homens, porém hoje ganhou mais beleza porque por trás da aceitação está uma história de vida que fala sobre resistência.
“Ostentar o cabelo afro transcende a mera esfera estética. É ocupação de espaços na vitrine social. É luta e ferramenta política. Se tornou estandarte, espalhando histórias de identidade, de pertencimento e de autoestima, criando assim um diálogo íntimo com a raiz da história africana”, defende.
Rytchaela Ferreira exibe atualmente os crespos no estilo black power. Seu processo até a autoaceitação não foi fácil e também passou pela transição capilar, mas a empresária vai além na visão sobre cabelo negro. “Não fico presa nessa ideia de que a mulher afro só tem que usar o cabelo cacheado. Hoje nós somos livres”, defende.
A liberdade é um dos lemas do salão que gerencia, onde atende pessoas de todos os gêneros, raças e classes. Para ela, a aceitação não vem só do cabelo, mas do estilo de vida, de se reconhecer e se amar, por isso defende que a mulher negra, assim como a mulher branca, pode abraçar vários tipos de cabelo: o afro enrolado, o afro com permanente, o afro alisado…
“O que eu passo para minhas clientes é que elas são livres para usarem o cabelo que elas quiserem. Você não vai negar as suas raízes porque você usa um outro tipo de cabelo. A opressão que o negro sofria, de que não podia usar um cabelo liso, não podia fazer isso ou aquilo acabou. A gente deixa elas serem quem elas são de verdade e não se aprisionar a um padrão. Padrão é o que a gente quer”, pontua.