A Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, 10, um projeto de lei que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo biológico. A proposta passará por outras comissões antes de ir ao plenário da Casa. Especialistas ouvidos pelo Estadão afirmam que, se aprovado, o projeto tem grandes chances de ser declarado inconstitucional e não afetará os casamentos já realizados.
Quando começou a tramitar, em 2007, o projeto de lei nº 580, proposto pelo então deputado Clodovil Hernandes, pretendia regularizar o casamento entre pessoas LGBTQIA+. No entanto, ao longo da tramitação ele foi sendo juntado com outros projetos sobre o mesmo assunto através de uma ferramenta chamada apensamento. Com ela, as propostas não apenas andam juntas como também ficam sujeitas ao mesmo encaminhamento: o que for decidido por uma, vale para todas.
O que a Comissão fez nesta terça-feira foi aprovar um parecer que decidiu o destino do projeto de Clodovil e dos oito projetos apensados ao dele. Todos foram rejeitados, com exceção de um, de 2009, proposto pelo ex-deputado Capitão Assumção (PSB-CE), que proíbe o casamento homoafetivo. O regimento da Câmara permite a junção de projetos que tratem do mesmo assunto, mesmo que eles sugiram encaminhamentos opostos para uma mesma questão. É o caso do PL nº 580.
Agora, o projeto de lei passa a tramitar na Câmara com um teor oposto ao da proposta original. Além de colocar proibir expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo biológico, o texto também proíbe que decisões judiciais flexibilizem essa regra. Estão previstas no trâmite do PL a passagem por mais duas comissões: Constituição e Justiça e de Cidadania e Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial. A duas podem mudar novamente o teor do projeto.
Hoje, no Brasil, o casamento homoafetivo não está legalizado e nem previsto em lei, mas acontece graças a um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2011, que entendeu que ele é constitucional e uniformizou os julgados de todo o País sobre o assunto. A partir desse julgamento, aos pouco cartórios foram regularizando administrativamente o casamento homoafetivo, que hoje pode ser celebrado em qualquer serventia de registro civil.
Pessoas LGBTQIA+ terão seus casamentos anulados?
Não. Quem já estiver casado não perde o direito. Dandara Marques Piani, especialista em planejamento patrimonial sucessório do Briganti Advogados, explica que a Constituição protege "o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada", além de ter, nos seus artigos, o princípio da vedação ao retrocesso.
Por outro lado, o PL nº 580 não tem, até o momento, qualquer artigo que pretenda anular casamentos já realizados.
O Supremo pode declarar esse PL inconstitucional?
Pode. Mas, para isso, o projeto de lei precisa ser aprovado em todas as suas etapas - comissões da Câmara, plenário da Câmara, comissões do Senado, plenário do Senado e sanção presidencial - e ser levado ao STF por meio de uma ação declaratória de inconstitucionalidade. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode também vetar o projeto e impedir que ele se torne lei.
O julgamento do STF de 2011 serve como régua para dizer que o PL nº 580 é inconstitucional?
Serve, mas uma declaração de inconstitucionalidade da lei que eventualmente vier do PL nº 580 precisa vir de um novo processo judicial. "Os embasamento jurídicos poderão ser os mesmos utilizados no julgamento de 2011?, explica Dandara Piani.
Paulo Carneiro, advogado especialista em Direitos Humanos e Constitucional, do escritório Carneiro, Vicente e Colli, aponta que o STF também pode trazer novos argumentos ou até mudar o seu entendimento, declarando constitucional um projeto de lei que proíba o casamento homoafetivo. Na avaliação dele, contudo, essa mudança de entendimento é pouco provável.
O Supremo pode interromper o trâmite desse projeto na Câmara?
Não. Na legislação brasileira, não existe controle prévio de constitucionalidade. "O STF não pode impedir a criação ou votação de um projeto. Projetos absurdos podem e constantemente viram lei", explica Carneiro. Propostas legislativas inconstitucionais e ilegais podem ser discutidas dentro do Legislativo.