A frase “Ih Assumi” expressa uma tomada de atitude, uma virada, um novo horizonte para quem sente o peso do preconceito. No caso de Laize, 61, e Thaize, 32 anos, do Rio de Janeiro, que se apaixonaram e vivem juntas há mais de cinco anos, o preconceito é duplo: pela questão de serem do mesmo gênero e pela diferença de idade. Muito discretas, elas nunca assumiram publicamente a relação, apenas para família e amigos. Mas depois de passarem por uma situação de explícito desrespeito, “caiu a ficha”, como elas definem. O resultado é o perfil @ihassumi, onde o casal se descreve como uma “família brasileira” e mostra de maneira muito natural a vida como ela é.
Laize, procuradora, e Thaize, nutricionista - os nomes com final igual são pura coincidência -, se conheceram em 2014 por intermédio de um casal de amigas em comum, também com bastante diferença de idade. Quando viu uma foto de Laize no Facebook da amiga, Thaize pensou: “Nossa, que mulher bonita”. E começou a perguntar sobre ela, mas como ambas eram recém-separadas, resolveu deixar para lá. “Seria uma tragédia”, brinca.
Mas entre encontros e desencontros, além de outros relacionamentos, por mais de três anos - muito porque Laize considerava a atual companheira muito nova -, acabou acontecendo. “Thaize é muito madura, até mais que eu. Até minhas filhas acham isso. Acaba existindo um equilíbrio na nossa relação”, diz Laize, que tem duas filhas, uma de 41 e outra de 37 anos, além de um neto de 17 e uma neta de 2 anos, frutos de um casamento hétero.
Já vivendo juntas, no último réveillon, elas passaram por uma situação de homofobia no condomínio onde moravam na época, mesmo nunca tendo mostrado a relação em público – nem de mãos dadas elas andavam. Um morador invadiu a área da churrasqueira, onde estavam na companhia de um casal de amigos gay, dizendo que se visse “homem beijando homem e mulher beijando mulher o pau vai comer”.
“Na verdade, ele estava comunicando que ali não havia lugar para nós. Depois disso, houve uma mudança radical na minha cabeça, que até me emociono”, diz Laize, com lágrimas nos olhos.
Isso causou um trauma nos dois casais, que nunca haviam passado por situação similar. Na delegacia, Thaize não teve coragem de assumir que era lésbica e tinha sofrido homofobia e, por sua influência, Thaize tampouco assumiu. “Tive vergonha do delegado, da escrevente e que a informação chegasse às pessoas que conhecia no trabalho. O processo ficou como ameaça. Isso me fez muito mal”, conta Laize.
As duas resolveram mudar do condomínio, mas isso ficou martelando na cabeça: “Não assumi, não assumi. Eu achava que devia isso aos meus amigos. Toda minha família ficou revoltada com o ocorrido”, lembra.
Na véspera do aniversário das duas (sim, elas fazem aniversário no mesmo dia, 24 abril), Thaize e Laize conversaram sobre a culpa e angústia que perduravam por três meses em Thaize. “Era preciso assumir de uma maneira que não tivesse volta até para mim. Era como se precisasse me defender de mim mesma. E a Laize também ia entendendo que ela era assumida, mas de forma conveniente, ou seja, só para família e amigos que sempre a acolheram”, diz. Foi nesse dia que surgiu o perfil no Instagram.
“Não éramos nada virtuais, então não foi fácil começar do dia para noite e ainda se expor e expor a nossa vida”, diz Thaize. Uma sobrinha de Laize ajudou na elaboração do perfil – e até do nome – e no dia seguinte elas já começaram a publicar, primeiramente sobre as comemorações do aniversário, sem ideia que iam atrair tantos seguidores – hoje são mais de 27K. “Quanta coisa está em torno disso, quanto sofrimento envolvido”, emociona-se Laize.
De forma muito simples, sem produção, o casal começou a fazer stories da vida em casa – o café da manhã, a cachorrinha e assuntos mais sérios. Mais do que crescimento de número de seguidores, elas destacam a maneira como aprofundam suas relações nesse canal com pessoas que sofrem, respondendo e conversando com todos.
“Dentro dessa atitude de assumir, comecei a entender o meu preconceito: quando sou discreta é porque quero estar incluída na vida daqueles que vão me receber desde que eu não seja assumida, o que indica que estou concordando que estão certos. Não adianta ser assumida só para você, porque você fortalece o preconceito quando não se assume publicamente”, observa Laize.
E dentro disso, elas ouvem críticas do tipo “não precisa beijar na boca em público”, pois existem espaços destinados a isso. “Nós precisamos ainda ser condicionados a viver à margem, excluídos”, lamenta Thaize. Por essa razão, elas foram além da questão de mostrar a vida de um casal lésbico para colocar esse tipo de questão em xeque e hoje já andam de mãos dadas. “Se temos preconceito, nunca vamos vencê-lo fora de nós. Mas se a pessoa não quer assumir, eu concordo. Nosso Instagram não é para dizer que precisa fazer isso. É uma luta difícil e cada um tem seu tempo”, diz Laize.
Hoje, elas mostram no perfil uma família alegre, cheia de amor e que se respeita acima de tudo. E bem assumida.