A maioria dos pedidos de indenização por práticas de racismo e injúria racial na esfera civil é procedente no Brasil, ou seja, apresenta ganho de causa para a vítima. Essa é a principal conclusão de pesquisa conduzida pelo Núcleo de Justiça Racial e Direito da Faculdade Getúlio Vargas (FGV) no fim de 2023.
A pesquisa Segurança da população negra brasileira: como o sistema de justiça responde a episódios individuais e institucionais da violência racial analisou 618 pedidos de indenização por danos morais de pessoas negras que relatavam terem sido vítimas de racismo, discriminação, injúria racial ou violência policial. Do total, a vítima ganhou a ação em 62% dos episódios.
Pesquisadores afirmam que esse cenário é diferente do que acontece na esfera criminal, onde as condenações por racismo e injúria racial costumam ser raras no País. Alguns casos sem condenação na Justiça penal tiveram resultado oposto na Justiça cível, levando ao pagamento de indenizações.
Pesquisa mostra que maioria dos pedido de indenização por racismo e injúria racial costuma ser bem-sucedida na Justiça Foto: Aerial Mike - stock.adobe.com
“É até certo ponto surpreendente perceber que mais de 60% das ações são julgadas procedentes. Na esfera criminal, os números são tão expressivos”, afirma o pesquisador Luã Ferreira, do Núcleo de Justiça Racial de Direito da FGV.
No mês passado, por exemplo, a Justiça do Rio de Janeiro condenou a influenciadora Day McCarthy por danos morais contra Titi, filha de Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank em 2017. Dayane terá de pagar R$ 180 mil a família por proferir ofensas racistas contra a menina que, na época, tinha apenas 4 anos de idade.
A influenciadora disse nas redes sociais que a criança era uma “macaca”, que tinha “cabelo horrível, de bico de palha” e “nariz de preto”.
O advogado de Dayane, Gil Ortuzal, afirmou que a influenciadora entrará com recurso e que reconhece que “tais frases jamais deveriam ter sido proferidas contra qualquer pessoa”.
Os casos analisados pelo Núcleo foram registrados em sete Estados (Bahia, Goiás, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo e Sergipe) entre novembro de 2020 e dezembro de 2021. As decisões favoráveis às vítimas chegaram a 62%; 38% foram julgadas improcedentes. No Estado de São Paulo, que concentra o maior número de casos da amostra, 276 ações foram procedentes (59%) e 187, improcedentes (41%).
Embora o percentual seja alto, o estudo mostra que os juízes ainda compreendem os crimes de racismo como danos à honra, portanto, de caráter individual, sem dano coletivo. Isso indica, na visão dos pesquisadores, que os juízes consideram esses crimes como “menos graves”. Os principais argumentos para conceder a indenização foi o dano à honra. Em São Paulo, elas prevalecem em 47% dos casos.
“É muito comum o dano à honra ser usado como argumento para conceder a indenização, mas sempre numa chave de individualizar a conduta. Dificilmente teremos o reconhecimento, por parte dos juízes, de que houve uma prática de racismo”, explica a pesquisadora Julia Drummond.
O crime de injúria racial representa ofensa a uma pessoa específica, por sua raça e cor. Já o crime de racismo representa uma ofensa a um grupo inteiro. Em situações dessa natureza, a extensão do dano pode ser usada para calcular o montante da indenização. Por isso, o entendimento de um dano individual ajuda a explicar os valores das indenizações.
Em primeira instância, 51% das indenizações chegam a R$ 5 mil. Já na segunda instância, os valores chegam até R$ 10 mil em 70% dos casos.
Drummond lembra o princípio do direito que prevê que as indenizações têm caráter reparatório, sem o objetivo de promover o enriquecimento da vítima. “O valor (da indenização) não pode ser tão baixo que não desestimule o agressor, mas nem alto que enriqueça a vítima”, afirma.
* Este conteúdo foi produzido em parceria com o Núcleo de Justiça Racial e Direito da Faculdade Getúlio Vargas (FGV)