Como funciona o aborto na Alemanha

O aborto é ilegal na Alemanha, mas não é punível se ocorrer sob certas condições

4 mar 2024 - 15h46
(atualizado às 16h05)

O aborto é ilegal na Alemanha, mas não é punível se ocorrer sob certas condições. Na prática é possível interromper a gravidez nas primeiras 12 semanas de gestação.

Gravidez nem sempre é desejada, e muitas mulheres se decidem pelo aborto
Gravidez nem sempre é desejada, e muitas mulheres se decidem pelo aborto
Foto: DW / Deutsche Welle

De acordo com o parágrafo 218 do Código Penal, uma mulher que pratica um aborto infringiu uma lei e "será punida com pena de prisão de até três anos ou multa".

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Mas há exceções, e elas estão previstas no parágrafo 218a.

A exceção mais frequente é a da chamada regra do aconselhamento, usada quando o aborto ocorre por iniciativa da gestante.

Nesses casos, o aborto é possível se for feito até 12 semanas após a concepção e se a gestante comprovar que passou por uma sessão de aconselhamento.

O aspecto mais importante é que a decisão a favor ou contra o aborto deve sempre ser da mulher grávida.

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Os passos para abortar são os seguintes:

Em primeiro lugar, a gravidez deve ser confirmada por um médico e deve ser determinada com exatidão a semana de gravidez em que a gestante se encontra.

Depois, a gestante deve fazer uma consulta num centro de aconselhamento reconhecido pelo Estado, ao fim da qual ela recebe um certificado de que passou pelo aconselhamento.

Sem esse documento, qualquer mulher que fizer um aborto pode ser processada, assim como o médico que realizar o procedimento.

Depois da conversa de aconselhamento, a gestante tem mais três dias para refletir sobre sua decisão.

Só depois desse prazo, ele pode se dirigir a um médico e fazer o aborto.

Médicos temem ameaças e estigmatização

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Encontrar esse médico nem sempre é fácil. Há anos que o número de médicos que fazem abortos diminui na Alemanha. Em 2003 havia cerca de duas mil clínicas e consultórios; no fim de 2022 eram menos de 1.100, segundo dados oficiais.

Assim, muitas mulheres que querem abortar precisam viajar para uma outra cidade, muitas vezes distante.

Um dos motivos para a falta de médicos que fazem aborto é a estigmatização dos profissionais. Protestos diante de clínicas são comuns. E o aborto continua sendo ilegal e está no Código Penal, o que equivale a uma criminalização.

Especialistas citam ainda outros motivos: médicos idosos que fazem aborto estão se aposentando, e os mais novos temem sofrer ameaças. Além disso, afirmam, o tema é pouco abordado nas universidades de medicina ou na residência médica.

A carência também varia de um lugar para o outro. Regiões rurais são mais afetadas do que grandes centros urbanos. Nos estados da Baviera e de Baden-Württemberg, a carência é maior, principalmente no interior. Já na Saxônia, a associação de ginecologistas afirma não haver dificuldades.

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O polêmico parágrafo 219a

Até junho de 2022, o parágrafo 219a proibia médicos de informar os métodos de aborto por eles oferecidos. Foi o governo do chanceler federal Olaf Scholz que aboliu esse parágrafo do Código Penal.

O ministro da Justiça, o liberal Marco Buschmann, chamou o parágrafo 219 de "absurdo e desatualizado". Embora o parágrafo 219 tivesse sido reformado em 2019, permitindo aos médicos listar o procedimento em seus sites, eles não podiam fornecer detalhes, como métodos e custos.

O governo destacou que a abolição do polêmico parágrafo permite a divulgação de informações, garantindo o acesso à informação para mulheres que buscam o procedimento, e ressaltou que a mudança não significa permissão para fazer propaganda comercial de abortos.

A segunda exceção

Um aborto também pode ser feito na Alemanha se um médico constatar que há sério risco para a vida ou para a saúde física e mental da gestante.

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Nesses casos, a interrupção da gravidez é possível também depois da 12ª semana de gestação.

Porém, o aborto só pode ser feito se a gestante concordar com o procedimento.

Além disso, o procedimento deve obrigatoriamente ser feito por um médico. O diagnóstico médico deve deixar claro que o aborto é necessário para proteger a vida ou a saúde física e mental da gestante e que não há outra opção.

A terceira exceção

Também é possível abortar quando a gravidez resulta de um estupro.

Também nesse caso o aborto só pode ser feito com o consentimento da gestante, e o procedimento deve ser feito por um médico nas primeiras 12 semanas de gestação.

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Um médico deve atestar que a mulher foi vítima de um crime sexual, e deve haver fortes indícios de que a gravidez resulta desse crime.

Não é necessário que a vítima tenha denunciado o crime à polícia.

Quantos abortos são feitos na Alemanha?

Na última década, o número total de abortos na Alemanha se manteve constante, em torno de cem mil anuais.

Segundo a estatística oficial, foram realizados 103.927 abortos no país no ano de 2022. Esse foi o maior número desde 2012. Em 2021 haviam sido 94.596.

Como em todos os anos, também em 2022 a ampla maioria dos casos foi feita por vontade da gestante (99.968). Em seguida, por indicação médica (3.924). Por fim, houve 35 abortos por questões criminais.

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Ao todo, 70% das mulheres que abortaram em 2022 tinham entre 18 e 34 anos. Cerca de 19% tinha entre 35 e 39 anos.

Desde quando existe a lei atual?

A luta pelo direito de abortar tem uma longa história na Alemanha. Sob o nazismo (1933-1945), o aborto era severamente punível para mulheres que se enquadravam na definição de membro da "raça ariana" do regime. Mas, no âmbito da política de eugenia dos nazistas, a prática não era punida se a gestação envolvesse um feto com possíveis deficiências ou se os pais tivessem ascendência judaica.

Após a guerra, as duas Alemanhas inicialmente voltaram a adotar uma legislação restritiva da década de 1920. Na Alemanha Ocidental, muitas mulheres em busca de aborto acabavam se dirigindo para a Holanda. Em 1971, a Alemanha Oriental, sob regime comunista, legalizou o aborto até 12 semanas de gestação. Na Alemanha Ocidental, capitalista, o caminho foi mais tortuoso.

Em junho de 1971, a revista Stern, da Alemanha Ocidental, publicou uma matéria de capa com o título Nós abortamos. Nela forammencionados os nomes de 374 mulheres, e algumas tiveram até mesmo sua foto publicada na capa. Essa matéria é considerada o marco inicial da moderna luta das mulheres alemãs pela liberalização do direito ao aborto.

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A matéria na Stern colocou o tema na ordem do dia na Alemanha Ocidental. Em 1974, no governo do chanceler social-democrata Willy Brandt, o Bundestag (Parlamento) aprovou uma reforma do parágrafo 218 para que o aborto nas primeiras 12 semanas não fosse mais punido.

Em 1975, a corte suprema derrubou a reforma afirmando que ela era inconstitucional. O argumento: segundo a Lei Fundamental (Constituição alemã), é dever do Estado proteger a vida, e isso vale mesmo se essa vida ainda estiver se desenvolvendo e ainda não tiver nascido.

Assim, segundo o veredito, o aborto deve ser punido salvo a continuidade da gestação seja algo inaceitável para a gestante, como em caso de riscos à vida ou de estupro.

Em 1976, o Bundestag transformou o veredito em lei, endurecendo novamente o parágrafo 218.

Em 1990, a Reunificação reacendeu o debate, pois a lei da Alemanha Oriental previa que a gestante podia decidir livremente se queria ou não abortar nas primeiras 12 semanas de gestação.

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O acordo para reunificação das duas Alemanhas, porém, exigia uma lei única em todo o país. A campanha pelo direito ao aborto recomeçou e, em 1992, o Bundestag aprovou nova reforma, introduzindo a possibilidade de aborto após 12 semanas caso tenha havido antes um aconselhamento. Nesse caso, o aborto não seria ilegal, decidiu o Parlamento.

A questão foi, mais uma vez, levada à corte suprema. Em 1993, os juízes de Karlsruhe mais uma vez contradisseram o Parlamento com o argumento que a Lei Fundamental obriga o Estado a proteger a vida, mesmo aquela que ainda não nasceu. Assim, o aborto é ilegal, decidiram os juízes.

Porém, se houver aconselhamento, o aborto pode permanecer impunível durante as primeiras 12 semanas — mas deve continuar sendo considerado ilegal, ou seja, uma violação da lei. Só assim as mulheres podem ser conscientizadas, durante o aconselhamento, de que têm o dever legal de gestar a criança. Essa interpretação foi transformada em lei em 1995 e vale até hoje.

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