Crise humanitária: Entenda o que aconteceu com os povos indígenas Yanomamis em Roraima

Governo federal declarou emergência nacional em saúde em território na Amazônia após alta de casos de malária e desnutrição; garimpo ilegal é outra ameaça para a região

23 jan 2023 - 12h51
(atualizado às 14h16)
Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, em coletiva de imprensa
Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, em coletiva de imprensa
Foto: Reprodução

O governo federal declarou emergência em saúde pública no território indígena Yanomami, na Amazônia, após identificar uma alta de casos de malária, desnutrição infantil e problemas de abastecimento. As imagens de indígenas magros e abatidos, entre eles várias crianças, chamaram a atenção nas redes sociais para a tragédia humanitária, reflexo de problemas de assistência e avanço do garimpo ilegal na região.

Entenda mais sobre a crise e as medidas que foram tomadas:

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O que é o Território Indígena Yanomami?

Maior reserva indígena do País, o Território Indígena Yanomami foi reconhecido em 1992, fica entre os Estados de Amazônia e Rondônia, e engloba uma área de 9,6 milhões de hectares (equivalente à de Portugal). Lá, vivem 30,4 mil indígenas das etnias Yanomami - considerados de recente contato - e Ye'kwana, de cinco troncos linguísticos.

Quem cuida da saúde dos Yanomami?

A responsabilidade da gestão da saúde dos territórios indígenas é da Secretaria de Saúde Indígena, vinculada ao Ministério da Saúde. No caso da reserva Yanomami, o Distrito Sanitário Especial Yanomami (DSEI-Y) é o responsável por meio de 37 Polos Bases, 78 unidades básicas de saúde e uma Casa de Saúde Indígena.

Por que foi declarada a emergência?

Segundo o governo federal, a emergência de saúde de importância nacional foi declarada diante do quadro de insegurança alimentar, desnutrição infantil e falta de acesso da população Yanomami à saúde. evantamento feito pelo Ministério da Saúde apontou três mortes de crianças indígenas nas comunidades Keta, Kuniama e Lajahu entre 24 e 27 de dezembro. E, em 2022, foram registrados 11.530 casos confirmados de malária no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami.

Quais são as medidas práticas com a declaração de emergência?

O governo promete enviar equipes médicas ao local, para reforçar o atendimento em saúde. Além disso, prevê acelerar o novo edital do Mais Médicos, contemplando profissionais formados no Brasil e no exterior, para aumentar o efetivo no território indígena. De modo a facilitar o transporte das equipes e dos próprios indígenas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse no sábado, 21, que vai ampliar a capacidade da pista de pouso local. O governo também anunciou o envio de cestas básicas e suplementos alimentares.

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Quais são os motivos para a crise?

Segundo especialistas, houve falhas graves nas políticas públicas de atenção à saúde dos indígenas durante o último governo. A pandemia da covid-19 prejudicou ainda mais o atendimento e a fiscalização do trabalho feito junto a essa população.

Operação da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF), em novembro de 2022, também apontava indícios de desvio no uso de verba para remédios na área Yanomami, como mostrou o Estadão.

A suspeita era de que só 30% de mais de 90 tipos de medicamentos fornecidos por uma das empresas contratadas pelo distrito sanitário indígena local (DSEI-Y) teriam sido devidamente entregues. A reportagem tentou contato com o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga, da gestão Jair Bolsonaro (PL), mas não obteve resposta.

A situação era desconhecida?

Não. O agravamento do problema vinha sendo denunciado por associações, órgãos públicos e veículos de comunicação nos últimos anos. O Ministério Público Federal (MPF), por meio das procuradorias de Amazonas e Rondônia, fizeram duas recomendações (uma em novembro de 2021 e outra um ano depois) ao Ministério da Saúde sobre o colapso do atendimento de saúde na terra Yanomami. Na última solicitação, o MPF pediu a intervenção na gestão de saúde na área.

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As informações compiladas pelo MPF indicavam que, em 2019, foram registrados 117 óbitos infantis e 1.329 crianças nascidas vivas na reserva Yanomami, uma taxa de mortalidade nfantil (TMI) de 88,04. Em 2020, esse índice saltou para 112,38. Já no ano seguinte, apenas nos três primeiros meses do ano, foram 20 óbitos para 150 nascimentos, taxa de 133,33, afirma o documento.

E o garimpo ilegal?

O avanço do garimpo ilegal na região também é uma grave ameaça aos povos originários. Os recursos hídricos sofrem muito com a esse tipo de mineração - que é mais artesanal, individual, sem maquinário sofisticado nem grande planejamento, com foco no lucro imediato. Por causa disso, os rios recebem um volume muito grande de mercúrio, metal pesado que piora a qualidade da água e da biota (por exemplo peixes, que podem servir de alimento para os indígenas).

A inalação do gás emitido pelo mercúrio ou o consumo de água e peixes contaminados com o produto pode causar distúrbios graves, como problemas neurológicos e insuficiência renal.

Lula prometeu eliminar o garimpo ilegal da região, mas não detalhou os planos. Ele reconheceu também a dificuldade de levar isso à frente, inclusive com avanço da prática durante os seus dois primeiros mandatos (2003-2010). O garimpo ilegal em terras indígenas aumentou 495% entre 1985 e 2020, conforme levantamento do MapBiomas, iniciativa que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia.

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A responsabilidade pela crise será investigada?

O ministro da Justiça, Flávio Dino, determinou a abertura de inquérito pela Polícia Federal para investigar crime de genocídio e outros crimes.

E o que diz a gestão Bolsonaro?

Procurado pela reportagem, o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga, da gestão Bolsonaro (PL), não falou. Nas redes sociais, s ex-ministra da Família e dos Direitos Humanos, senadora eleita Damares Alves, disse neste domingo, 21, que "não houve omissão" da pasta que chefiava na atuação com os Yanomami. Segundo ela, "a desnutrição entre crianças indígenas é um dilema histórico e foi agravada pelo isolamento imposto" pela pandemia da covid.

"O MMFDH esteve 'in loco' inúmeras vezes para levantar informações. No auge da pandemia distribuímos cestas básicas. Enviamos ofícios aos órgãos responsáveis para solicitar atuação e recebemos relatórios das equipes técnicas, as quais informaram as providências tomadas", escreveu ela.

E havia o problema em outros anos?

Sim, problemas de saúde e avanço do garimpo ilegal têm ocorrido nas últimas três décadas, mas especialistas apontam que houve acelerado agravamento do problema nos últimos anos, diante do enfraquecimento dos órgãos de apoio aos indígenas.

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