Os indígenas Yanomami estão sofrendo de desnutrição crônica. Diversos alertas já haviam sido emitidos sobre o risco que o grupo corre, mas a situação foi ignorada até o dia 20 deste mês, quando o governo federal reconheceu a crise humanitária. Em seguida, o Ministério da Saúde decretou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional.
O que é a desnutrição crônica?
A médica nutróloga do Hospital Albert Sabin (HAS), Dra. Daniela Gomes, explica que a desnutrição ocorre quando se tem uma ingestão menor do que a necessidade energética diária. Com isso o paciente sofre perda progressiva de peso, atingindo uma desproporção entre seu peso e altura.
Já a desnutrição crônica é caracterizada quando, no médio prazo, o peso já comprometeu outras funções. Na criança, a desnutrição crônica se caracteriza também pelo comprometimento da estatura. Então, além da desproporção na curva de peso, a criança também passa a apresentar baixa estatura.
Por que apenas a alimentação não basta para reverter o quadro de desnutrição?
A médica explica ainda que a desnutrição está associada a um processo inflamatório crônico, em que há um desequilíbrio entre os antioxidantes e os pró antioxidantes. "Para a gente conseguir fazer esse controle inflamatório, é necessário ter os antioxidantes que são as vitaminas e minerais. O paciente desnutrido cronicamente, assim como ele tem baixo estoque de tecido adiposo, também tem baixo estoque de todas as vitaminas. Por isso, não é possível fazer uma resposta de agravo, fazendo um balanço dessas espécies reativas de oxigênio e reequilibrar", esclarece.
Então, o processo de ganho de peso envolve primeiro a reposição dos micronutrientes (vitaminas e minerais) e em paralelo a gente vai aumentando a quantidade caloria. "A atividade física também é sempre importante no controle do tratamento da desnutrição, pois o objetivo da recuperação nutricional não é só ganho de peso e de tecido gorduroso, mas também de massa muscular", acrescenta a nutróloga.
Como a desnutrição impacta na saúde
Inicialmente, os impactos da desnutrição podem ser baixos. O déficit de vitaminas pode causar fraqueza, cansaço, perda de cabelo, ressecamento da pele e unhas quebradiças, aponta a especialista. O paciente também pode apresentar lesões no corpo, principalmente na região oral, e baixa da capacidade visual.
A medida que o paciente vai perdendo peso, ele vai ter comprometimento da musculatura periférica (braços e pernas). Conforme a desnutrição avança e a musculatura periférica já foi toda comprometida, o paciente apresenta comprometimento também das musculaturas essenciais, alerta a especialista.
"A gente não pode esquecer que o diafragma (responsável pela respiração) é um músculo, o coração é um músculo e nossos órgãos são sustentados por músculos. Então numa fase avançada o paciente pode ter também esse comprometimento", afirma. Ela acrescenta que entre as principais consequências da desnutrição está a redução da proteção imunológica, o que aumenta o risco de infecções - de leves a graves, levando ao aumento de mortalidade.
Diretrizes para recuperação nutricional dos yanomamis
A médica reforça que não podemos achar que dar comida calórica em uma alta quantidade vai recuperar os indígenas yanomami de forma rápida. O processo de recuperação é longo. Conforme a Dra. Daniela, existe um manual do Ministério da Saúde com recomendações sobre como deve ser feita a recuperação nutricional de crianças em estado grave de desnutrição. A campanha "Diga Não à Desnutrição KIDS" da Braspen, adjunta a Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE), também lançou diretrizes para o tratamento do problema.
"O que eu diria de forma resumida, conhecendo esses materiais, é que num primeiro momento é necessário fazer reposição de todas as vitaminas de forma emergencial, já que são crianças que não estão em meio hospitalar. Em paralelo, é preciso iniciar um processo de alimentação, que não pode ser em grande quantidade na fase inicial. Isso porque dar muita quantidade para um privado crônico pode levar a um desequilíbrio dos sais no sangue", aponta a nutróloga.
O importante é que a realimentação dos indígenas yanomami seja feita com um alimento completo. "O que eu digo de alimento completo é um alimento balanceado do ponto de vista de carboidrato, proteínas e gorduras, e que tenha valor nutricional com acréscimo de nutrientes. Isso pode ir desde o uso de fórmulas prontas até um bom prato de arroz com feijão, com carne, verduras e legumes, além de frutas ao longo do dia", destaca a especialista.
Ela acrescenta ainda que os alimentos originários da terra yanomami podem ajudar no processo de realimentação, ao contrário das opções ultraprocessadas, que estão associadas a quadros de desnutrição.