Cuca realizou um longo pronunciamento sobre a sua condenação de estupro na Suíça e se desculpou com as mulheres por conta do caso e também disse que tem usado a família para tentar aprender e evoluir.
Após a goleada por 6 a 0 do Athletico-PR sobre o Londrina, neste domingo, 10, na Ligga Arena, em Curitiba, pela volta das quartas de final do Campeonato Paranaense, o técnico Cuca aproveitou o fim da coletiva para realizar um longo pronunciamento sobre sua condenação de estupro na Suíça, em 1987.
Em 1987, quando defendia o Grêmio como jogador de futebol, ele estaria envolvido ou teria testemunhado um estupro de uma criança de 13 anos durante uma excursão na Suíça.
Cuca chegou a ser condenado pelo crime, mas em 3 de janeiro deste ano a Justiça anulou a sentença da condenação de estupro - por uma falha na condução jurídica.
Quando ele foi contratado pelo Corinthians, o caso voltou à tona e causou muita comoção na imprensa, torcida e principalmente, mulheres. Agora em um novo clube, o comandante se desculpou com as mulheres por conta do caso e também disse que tem usado a família para tentar aprender e evoluir.
A íntegra do pronunciamento de Cuca
“Eu queria falar. Escrevi até para não ter erros. Não sou muito bom com as palavras. Minhas palavras são mais no lado boleirão.
Eu queria falar sobre os últimos meses que eu tenho vivido. Faz quase um ano que deixei o Corinthians. Você pode imaginar o que eu passo e estou passando, o que estou refletindo com muitas conversas. Antes de falar, eu tinha necessidade de escutar. Minha esposa, minhas filhas estão me ajudando bastante. Escrevi esse texto com ajuda delas. Ainda não me sinto com conhecimento suficiente para falar sem o respaldo delas.
Por elas e por todas, por isso escrevi e não quero errar. Eu tenho escutado opiniões e tentado entender o meu papel. Recentemente, no começo do ano, eu li uma coluna da Milly Lacombe. Ela dizia que isso não era sobre mim, eu entendi o que ela quis dizer. Hoje eu sei que não é só sobre mim, mas é sobre mim também.
Eu escolhi me recolher durante muito tempo, desde lá do passado, mesmo assim eu pude seguir minha vida. Uma mulher que passa por qualquer tipo de violência, ela não consegue seguir a vida dela sem permanecer machucada. O impacto dura para sempre. Eu pude levar minha vida, contornando a história, porque o mundo dos homens e do futebol, em que eu vivo, não tinham me cobrado nada durante todos os anos.
O mundo está mudando e para melhor. Por isso, estou me dando conta de que não adianta eu ser um grande treinador, um grande pai, um grande marido, um grande avô, um grande irmão, se eu não entender que o mundo é feito de outras coisas além do futebol. E eu faço parte disso também.
Eu enxergava os problemas, inclusive os recorrentes aqui no nosso universo do futebol e dos homens. Mas eu me calei porque a sociedade também permitia que um homem se calasse. Permitia. Agora eu entendo mesmo, sem conseguir me aprofundar para falar do jeito certo, que não posso mais me recolher e ficar calado. O silêncio soa como covardia. Venho buscando compreender mais. Não posso mudar o passado. Quantos homens que agora me escutam são capazes de olhar para o passado e rever suas atitudes?
A gente sabe que o mundo é um lugar diferente para homens e mulheres. Quando a gente enxerga isso a gente pode até resistir, mas alguma coisa começa a mudar na gente. É o primeiro passo. Depois, o sentimento é de real desejo de mudança. As mudanças honestas levam tempo, exigem dedicação, são dolorosas. Algumas, desafiadores. Eu entendo que a realidade tem que ser transformada para que o mundo seja mais seguro para as mulheres e para todos nós. O mundo do futebol ainda é um mundo com preconceito.
Quando me cobram, não é só sobre mim. É sobre a forma como nós, homens, e a sociedade como um todo, tratamos as mulheres com desigualdade e de maneira violenta. Não estou falando isso hoje como uma fala isolada para agradar alguém ou da boca para fora. Fosse assim, eu teria me manifestado antes. Falo isso do coração. Tenho me dedicado a isso. Quero e me comprometo a fazer parte dessa transformação.
Como vou fazer isso? No poder da educação. Eu acredito que a transformação vem com a educação. Eu quero ajudar. Quero jogar luz sobre a gravidade e a seriedade da violência contra a mulher. Quero usar a voz que tenho para mim, ao mesmo tempo que me educo, educar também outros homens a falar sobre esse tema. Principalmente com os jovens que amam futebol. Masculinidade, poder, sucesso repentino, fama. Tudo isso é desafio para qualquer jovem. Muitos se perdem no caminho. Somos levados a pensar que podemos tudo, inclusive desrespeitar as mulheres.
Acho importante que os homens que estão nesse processo fiquem perto da meninada de base, filhos, netos, nossos sobrinhos. Precisamos dar a ele a oportunidade de não errarem como nós erramos. É ali que conseguimos sensibilizar e orientar. Todos deveriam entender o que venho aprendendo. Sucesso, dinheiro, fama não servem para nada se você se perder no caminho. Eu pensei que eu estava livre de minha angústia quando a resolução do meu problema na Suíça, com a descondenação e a indenização.
Mas não acabou. Entendi que não acabou porque não dependia só de uma decisão judicial, mas de entender o que a sociedade espera de mim. O que vocês vão ver daqui para frente da minha parte não serão palavras, mas atitudes. Eu estou junto nessa causa e me comprometo a ajudar. Obrigado por me ouvirem e até mais”.