Em julgamento na Espanha, ex-jogador diz que estava bêbado ao manter relações com mulher que o denunciou. Peritos afirmam ter encontrado DNA do brasileiro no corpo da jovem. Acusação pede pena máxima. O ex-jogador de futebol Daniel Alves, acusado de estuprar uma mulher numa boate de Barcelona em dezembro de 2022, afirmou nesta quarta-feira (07/02), durante julgamento na Espanha, que sexo com a denunciante foi consensual, e que estava embriagado na noite em que tudo ocorreu.
Em prisão preventiva desde 20 de janeiro de 2023, Alves disse que a mulher o seguiu até o banheiro da boate Sutton, após ele ter sugerido que o fizesse, e que em nenhum momento pediu para que ele parasse.
Ele fez essas afirmações em resposta ao questionamento por sua advogada Inés Guardiola, durante o quarto e último dia de julgamento em Barcelona. Também foram ouvidos psicólogos, peritos forenses e médicos, além da promotora e da advogada de acusação. O veredito deve demorar em torno de cinco dias até ser divulgado.
O suposto estupro teria ocorrido na noite de 30 para 31 de dezembro na badalada casa noturna de Barcelona. Logo após o ocorrido, a jovem informou a situação aos seguranças do estabelecimento, que alertaram a polícia da Catalunha.Na mesma noite, policiais colheram o depoimento da denunciante, que formalizou uma denúncia de agressão sexual junto às autoridades em janeiro.
O que Alves disse no depoimento
Daniel Alves disse que, em 30 de dezembro de 2022, ele chegou às 14h30 a um restaurante em Barcelona acompanhado de três amigos, onde ficaram até a 01h00 da manhã. "Bebemos cinco garrafas de vinho, uma de uísque, algumas outras. Bebi duas garrafas de vinho e alguns copos de uísque", afirmou.
Depois, segundo o ex-jogador, eles foram para um bar e tomaram uma rodada de gin tônica antes de se dirigirem ao Sutton, onde teriam chegado às 02h30.
"Sou um cliente frequente da Sutton e sempre tenho essa mesa 6 disponível para não ter que atravessar o clube para ir." Ele relatou que começou a beber e dançar com os amigos e que duas garotas se aproximaram do grupo. Pouco depois, elas chamaram outras três jovens, entre elas, a denunciante.
"Não estavam incomodadas. Chegaram, começaram a nos cumprimentar. Começou uma conversa. Sou uma pessoa que se aproxima facilmente, mas com respeito. Acho que elas sabiam quem eu era", afirmou.
"Estávamos dançando, interagindo. Já estávamos mais próximos, ela começou a dançar mais perto de mim, esfregando suas partes nas minhas. Ela colocou a mão para trás e começou a tocar minhas partes", disse Alves.
"Eu não tive que insistir para que ela fosse ao banheiro. Ela disse sim. Eu falei que ia primeiro e esperei um pouco, pensando que ela não iria, que ela não queria. Mas, quando abri a porta, praticamente esbarrei nela."
O ex-jogador disse que a jovem começou a fazer sexo oral nele, e que isso teria sido "praticamente toda a relação sexual". "Em nenhum momento ela me disse que não queria nada. Eu não dei um tapa nela nem a joguei no chão. Não sou um homem violento. Ela não me disse que não queria fazer sexo."
"Quando saímos do clube, eu tinha bebido demais. Minha esposa estava dormindo na cama. Foi isso o que eu declarei no segundo depoimento. No primeiro, eu disse que só teve sexo oral porque pensei que minha esposa poderia me perdoar."
De acordo com as leis espanholas, a embriaguez por álcool pode ser considerado um atenuante, o que explica a estratégia da defesa. Em seu depoimento durante o julgamento, a esposa de Alves confirmou que ele estava bêbado ao chegar em casa.
A defesa disse que ele teria tomado seis drinks na boate e que suas capacidades cognitivas teriam sido comprometidas.
Alves chorou durante o depoimento e se disse surpreso quando soube que era acusado de estupro. "Meu mundo desabou," concluiu.
Ele disse que está praticamente arruinado financeiramente após suas contas bancárias terem sido bloqueadas e por ter perdido contratos no Brasil.
Versões diferentes
Após a acusação, o ex-jogador do Barcelona mudou seu depoimento diversas vezes: primeiro, ele alegou nunca ter visto a mulher e negou ter mantido qualquer contato sexual com ela; depois, voltou atrás, mas afirmou que o episódio teria sido consensual.
A mentira inicial, alegou a defesa do atleta, teria sido uma tentativa de Alves de salvar o próprio casamento - Alves é casado com a modelo espanhola Joana Sanz, que chegou a pedir o divórcio em março de 2023, mas voltou atrás na decisão seis meses depois.
A defesa tentou invalidar a versão da mulher que teria sido violada, mas a corte decidiu que, mesmo que tenha havido algum flerte entre os dois, aquilo não justificaria "de forma alguma" um eventual estupro.
Denunciante prestou depoimento a portas fechadas
A mulher que acusa Alves prestou depoimento em caráter reservado, a portas fechadas, para preservar a identidade dela.
Acompanhada de psicólogos, ela falou aos juízes na mesma sala em que estava Daniel Alves, mas não houve contato visual entre os dois. A imprensa foi proibida de acompanhar o depoimento. A mídia espanhola informou, citando fontes judiciais, que a mulher manteve sua versão original, a de que foi estuprada pelo ex-jogador.
A Espanha tem se esforçado nos últimos anos para levar a sério e processar adequadamente acusações de violência sexual desde que diversos casos ganharam proeminência no debate público.
Entre as testemunhas de acusação estavam um amiga e a prima da denunciante. Ambas endossaram a versão da jovem sobre o ocorrido na boate.
Outra testemunha ouvida foi o porteiro da boate que atendeu a jovem após o ocorrido. Seu depoimento confirmou as imagens das câmaras de segurança, que o mostram ouvindo uma queixa da denunciante, enquanto Alves passa próximo aos dois.
DNA de Alves na vítima
Médicos que prestaram nesta quarta-feira confirmaram ter encontrado DNA de Alves em material coletado dentro do corpo da denunciante. As análises foram coletadas em fevereiro de 2023, quando o processo corria em segredo de Justiça.
Um psicólogo disse que a vítima desenvolveu um sintoma pós-traumático ao ouvir pessoas falando em português. Também nesta quarta-feira, um médico que acompanhou o estado psicológico do ex-atleta disse que ele não estava acostumado a beber e que suas capacidades cognitivas e motoras teriam afetadas no dia em que tudo ocorreu.
Ao todo, 26 testemunhas foram convocadas para depor, além da denunciante e do próprio ex-jogador.
Acusação pede pena máxima
Após o depoimento de Alves, o Ministério Público espanhol expôs suas conclusões sobre o caso e pediu uma pena de nove anos de prisão. A acusação defendeu a aplicação da pena máxima, de 12 anos.
A promotora Elizabeth Jiménez disse que o depoimento da denunciante no primeiro dia do julgamento foi totalmente "crível". Ela destacou que a jovem foi mesmo ao banheiro voluntariamente, mas não sabia do que se tratava, e afirmou que Alves a forçou a fazer sexo oral nele. Ele teria ainda a penetrado e agredido quando ela estava caída no chão.
Jiménez desqualificou a versão do acusado de que ele estaria embriagado na noite em que tudo ocorreu. "Não há uma única evidência que confirme o que foi bebido. É completamente impossível dizer o quanto ele bebeu", afirmou.
Para o Ministério Público, não há sinais de que houve consentimento por parte da denunciante. Ela teria de fato pedido para que ele parasse. Além disso, ele a teria a agredido com tapas e puxões de cabelo.
A advogada de acusação, Ester García, pediu a pena máxima e que fosse rejeitada a redução da sentença pelo uso de substâncias. "Ele tinha a capacidade de distinguir entre o que seria bem ou mal. O fator atenuante não é aplicável aqui."
rc (DW, ots)