A decisão unânime em absolver Daniel Alves da condenação por agressão sexual contra uma jovem em uma boate de Barcelona, na Espanha, foi tomada por um colegiado composto por quatro magistrados do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha (TSJC), sendo três mulheres.
Os integrantes do Tribunal de Apelações que acolheram o recurso da defesa do ex-jogador foram as juízas María Àngels Vivas (relatora), Roser Bach e María Jesús Manzano, e o juiz Manuel Álvarez. Em decisão unânime divulgada nesta sexta-feira, 28, os magistrados consideraram que o depoimento da mulher era insuficiente para manter a condenação imposta pela 21ª Seção do Tribunal Provincial de Barcelona.
Em sua decisão de anular a sentença, o colegiado apontou falhas na análise das provas pelo tribunal que condenou Alves inicialmente. Os magistrados argumentaram que esse primeiro julgamento deveria ter adotado um "padrão reforçado de motivação", conforme exigido pelo direito penal, mas não cumpriu esse requisito necessário para superar a presunção de inocência.
O TSJC afirmou que trechos do depoimento da vítima mostraram-se pouco confiáveis quando confrontados com provas objetivas, como gravações em vídeo e exames periciais.
O tribunal ressaltou que, embora a sentença de primeira instância tenha reconhecido essa inconsistência em partes do relato, acabou por basear a condenação exclusivamente em outro trecho do depoimento --sobre penetração vaginal não consensual-- sem submetê-lo ao mesmo crivo de confrontação com as demais provas dos autos.
O TSJC destacou ainda que a análise inicial confundiu os conceitos de credibilidade e confiabilidade do testemunho. Conforme explicaram os magistrados:
- Credibilidade: refere-se à impressão subjetiva sobre a pessoa que depõe
- Confiabilidade: diz respeito à consistência factual do relato, que deve ser verificada mediante elementos objetivos
Para o tribunal recursal, a decisão condenatória atribuiu peso excessivo à credibilidade subjetiva da vítima, sem exigir a necessária corroboração por outras provas (como análises de DNA ou vestígios digitais). Essa falha, segundo o colegiado, teria comprometido a fundamentação da sentença.
Relembre o caso
Daniel Alves foi acusado de estuprar um jovem de 24 anos na noite de 30 de dezembro de 2022 no banheiro da boate Suton, no centro de Barcelona, na Espanha. A casa noturna acionou o protocolo de violência sexual após a jovem ser vista aos prantos por um funcionário. No momento, o ex-lateral não estava mais no local.
No dia 20 de janeiro de 2023, Daniel Alves se apresentou voluntariamente para prestar depoimento ao Tribunal de Barcelona e teve a prisão decretada após apresentar contradições em suas falas. Na época, ele defendia o Pumas, do México, e teve o contrato rescindido após a detenção.
O ex-jogador foi levado para o Centro Penitenciário Brians 2, nos arredores de Barcelona, e teve quatro pedidos de liberdade condicional negados durante este mais de um ano de prisão. A defesa chegou a pedir apreensão dos passaportes brasileiro e espanhol como garantia que ele não deixaria o país, sem sucesso.
Contradições em depoimento
Além das contradições em seu depoimento, Daniel Alves enfrentou problemas em sua equipe jurídica. Em um primeiro momento, ele foi representado pelo advogado Cristóbal Martell, reconhecido por grandes casos na Espanha. Porém, em outubro de 2023, o profissional deixou a defesa e alegou ser "um caso perdido". Com isso, a advogada Inés Guardiola assumiu o processo do brasileiro.
Na primeira declaração, o ex-jogador negou conhecer a mulher. Após imagens do circuito interno de TV mostrarem os dois juntos, ele disse que os dois ficaram apenas no papo. Em uma terceira versão, alegou relação consensual, depois mudou e se colocou como vítima, e no julgamento alegou estar alcoolizado.
Exames de DNA
Os exames de DNA confirmaram que houve penetração na relação entre Daniel Alves e a jovem. Amostras de sêmen do piso do banheiro no dia da agressão sexual também deram positivas quando confrontadas com o material do brasileiro.
Não houve registro de lesão na região da vagina da vítima, que teve hematomas no joelho --corroborando com a versão de agressão-- e ainda foi diagnosticada com estresse pós-traumático.
O julgamento
O julgamento do ex-atleta aconteceu em fevereiro de 2024 e durou três dias. Ao todo, 28 testemunhas foram ouvidas, além do próprio Daniel Alves e da vítima, que prestou depoimento em uma sala separada e teve voz e imagem distorcidas para não ser reconhecida. A identidade dela não foi divulgada desde o início do caso.
Em seu depoimento, Daniel Alves explicou as diferentes versões para a acusação, se declarou inocente e afirmou que relação sexual com a vítima foi consensual. Ele chegou a chorar e alegou que estava muito bêbado no dia do crime. Já a vítima reforçou a acusação de estupro e agressão.
Após os três dias de julgamento, todo o conteúdo foi analisado por três juízes antes do anúncio do veredito, anunciado na presença de todas as partes interessadas no caso.
A condenação
Daniel Alves foi condenado a 4 anos e 6 meses de prisão pelo estupro da jovem. A sentença foi anunciada em 22 de fevereiro de 2024, pelo Tribunal de Barcelona. Na época, ele já estava preso há 13 meses e esse tempo seria descontado da pena. A defesa do ex-jogador brasileiro podia apresentar recurso e apelar para Sala de Apelações do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha.
Além do tempo de reclusão, Daniel Alves foi condenado a cumprir cincos anos de liberdade vigiada (espécie de regime semi-aberto), e ficar nove anos longe de qualquer contato com a vítima, sendo proibido de entrar em contato com ela e se manter distante pelo menos 1 km da casa e trabalho da denunciante, além de indenizá-la em 150 mil euros (aproximadamente R$ 805 mil) por danos morais, físicos e ajuda com o custo do processo.
"O tribunal considera provado que 'o acusado agarrou abruptamente a denunciante, a jogou no chão e, a impedindo de se mexer, a penetrou pela vagina, mesmo com a denunciante dizendo que não, e que queria sair'. (...). E entende que 'isso cumpre o tipo de ausência de consentimento, com uso de violência, e com acesso carnal'" , diz um trecho da decisão lida pela juíza Isabel Delgado Pérez, da 21ª Seção da Audiência de Barcelona.
O Ministério Público espanhol pedia a pena de 9 anos para Daniel Alves e dizia que os acontecimentos "não eram merecedores de uma pena mínima", que é de quatro anos, enquanto a acusação queria 12 anos -- tempo máximo para crime de agressão sexual na Espanha.
Inicialmente, a defesa solicitou a absolvição. Porém, em caso de condenação, pediu 4 anos e que fosse considerado como atenuantes: intoxicação alcoólica, reparação de dano com pagamento de 150 mil euros e violação do direito fundamental do acusado (Daniel Alves diz que foi investigado sem ser informado inicialmente sobre a acusação), e acabou atendida.