Depoimento: "Após ser esnobada por uma revista de moda por ser PcD, desfilei na SPFW"

Juliana Santos, que perdeu dedos das mãos em incêndio quando era criança, relata rejeição e preconceito até se estabelecer no mundo da moda

7 dez 2022 - 05h00
A estilista desfilou no dia 18 de novembro na SPFW pela marca Thear
A estilista desfilou no dia 18 de novembro na SPFW pela marca Thear
Foto: Reprodução/Instagram

O meu nome é Juliana Santos, tenho 36 anos, sou uma pessoa com deficiência, estilista de noivas, influenciadora e recentemente modelo. No dia 18 de novembro, eu fui modelo e desfilei no maior evento de moda do Brasil, o São Paulo Fashion Week (SPFW). Foi um longo caminho até chegar nesse grande dia, por isso é preciso contar a minha trajetória até esse momento.

Aos 4 anos, minha mãe biológica me deixou cuidando da minha irmã de um ano e saiu de casa. Éramos muito pobres na época e morávamos em um barracão com um cômodo. Ela tinha deixado uma vela no local que, infelizmente, caiu no berço da minha irmã. Eu entrei para salvá-la e fiquei presa, foi assim que queimei as duas mãos e os pés.

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Após o acidente, eu fui levada do interior de Goiás para a capital Goiânia pela minha mãe, que me abandonou em um hospital de queimaduras. Perdi os dedos da mão esquerda e metade dos dedos da mão direita. 

Juliana acumula mais de 2 milhões de seguidores nas redes sociais
Foto: Reprodução/Instagram

Uma família que fazia serviços comunitários no hospital me adotou após financiar todo meu tratamento. A minha irmã também foi adotada por outra família, mas atualmente não mantemos contato. Recebi educação, amor e também muita aceitação, pois a partir daquele momento eu seria uma pessoa com deficiência.

Por causa do meu acidente, eu tive uma infância difícil. Já ouvi muitos apelidos como "queimadinha" e "dragão''. Também precisei conviver com as crianças com medo de brincar comigo, porque eu poderia ser contagiosa.

Aos dez anos, eu me encantei com uma revista de moda, mas foi quando completei 15 anos que eu comecei a dar os passos para entrar no mundo da moda. Assim como muitas garotas desejam fazer um ensaio de fotos para celebrar os 15 anos, eu também fiz. Customizei as minhas roupas e fiz as fotos de uma maneira diferente, inspirado em ensaios de moda de revistas como as que eu colecionava, Vogue, Capricho e Elle.

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Eu amava ler essas revistas e ver aquelas mulheres em roupas de estilistas que eu admirava. Quando as minhas fotos saíram, recebi muitos elogios de pessoas que diziam que eu tinha talento para ser modelo, pois fotografava com muita facilidade.

A estilista compartilha o seu trabalho nas redes sociais
Foto: Reprodução/Instagram

Um pouco inocente, eu acreditava que minha deficiência jamais seria um problema, então me inscrevi para ser a garota Capricho. Enviei duas fotos minhas de rosto do meu ensaio e fui selecionada. Eu recebi um e-mail falando que estaria na próxima edição da revista e que só precisava enviar uma foto minha de corpo, de preferência com um dos looks que eu customizava, pois eles iriam fazer uma matéria.

Fiz um ensaio de fotos com um amigo fotógrafo e mandei, junto com uma entrevista contando quem eu era. Esperei por dias a próxima edição e quando saiu…eu não estava lá. Na revista, tinha todo o perfil de garota padrão da época e nada da minha foto ou perfil.

Confusa, mandei um e-mail perguntando se era naquela edição que iria sair, mas nunca fui respondida. Foi quando tive meu primeiro quadro de depressão por ser quem eu era. Eu não entendi o porquê naquela época, pois ainda não sabia como o preconceito com pessoas deficientes funcionava.

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Só a partir dos meus 20 anos que eu comecei a entender que o meu corpo não era “perfeito” para o mundo da moda e a enxergar o preconceito nos lugares em que ia. Por isso, decidi ser estilista e, de alguma forma, mudar isso, para que todos os corpos fossem tratados iguais, com sua beleza individual e singularidade.

Hoje, aos 36 anos, e tendo vivido muitos episódios iguais a esse, eu sei o porquê eu não saí naquela edição, o porquê uma agência me aprovou na seleção por fotos, mas, pessoalmente, o dono da agência me olhou com nojo e disse que nenhuma marca jamais pagaria pra ter uma menina com “defeito” em uma campanha, e que talvez, se eu fizesse de graça, ele poderia conseguir algum trabalho para mim. Como se fosse um "prêmio de consolação".

Ainda sofro muito preconceito sendo uma estilista com deficiência. Ainda tenho que ouvir, todos os dias, de alguém “como você faz vestidos com essas mãos?”. Depois de doze anos de carreira, posso dizer que colho os frutos do meu trabalho como estilista, mostrando todos os dias as minhas criações para mais de três milhões de seguidores, frequentando vários lugares e ouvindo “você é aquela estilista do TikTok, né? Eu amo seus vestidos”.

E, agora, posso falar para a Juliana de 15 anos que ela finalmente realizou o sonho de ser modelo em uma passarela, com uma roupa criada pelo estilista Theo Alexandre, da marca goiana Thear, e que, hoje, ela inspira muitas mulheres a se aceitarem e se amarem.

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Fonte: Redação Nós
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