Nick Nagari, comunicador e acadêmico, celebra o Dia da Visibilidade Bissexual e chama atenção para a importância da representatividade no combate à bifobia.
Todo dia 23 de setembro, quando é celebrado o Dia da Visibilidade Bissexual, o comunicador e acadêmico Nick Nagari, 27 anos, uma pessoa trans não-binária e bissexual, se emociona por diversos motivos. "É um dia em que as pessoas me mandam mensagens. Eu penso muito na minha vida, em toda essa trajetória. Que bom que cheguei até aqui", disse ele em entrevista ao Terra NÓS.
Nick criou conteúdos sobre bissexualidade nas redes sociais por quase dez anos. Hoje, ele se considera um "influenciador aposentado" e atua na área acadêmica, trabalhando com produção científica sobre bissexualidade no Brasil.
Segundo ele, tudo começou porque não tinha referências bissexuais na adolescência. "Passei muitos anos sentindo as coisas, mas sem saber que a bissexualidade existia, que era uma possibilidade", afirmou ele, que utiliza pronomes masculinos. "Foi uma época muito solitária da minha vida, justamente porque eu me achava um alienígena."
De acordo com Nick, várias pessoas que estudaram com ele naquela época hoje se identificam como bissexuais. "Vejo que todo mundo já estava ali. Só precisavam saber que o nome [bissexual] existia. Fui criado dentro da religião católica, então isso também foi uma questão. Não podia ser LGBT, isso não passava pela cabeça da minha família, nem da instituição como um todo. Me aceitar foi muito difícil nesse sentido", disse.
Mas, ao mesmo tempo, depois que entendi que a bissexualidade era uma possibilidade, tudo se encaixou. Eu me coloquei nesse rótulo. Eu me encontrei nessa comunidade muito fácil, porque é isso, só precisava saber que existiam outras pessoas como eu.
É impossível falar sobre bissexualidade sem tocar em um tema que ainda afeta muitas pessoas dessa comunidade: a bifobia. Para o comunicador, o preconceito contra pessoas bissexuais não é apenas uma ofensa, é mais estrutural do que isso.
"Quando falamos de bifobia, estamos falando também da minha experiência de descoberta, que foi muito permeada por ela. Uma das manifestações da bifobia é a invisibilidade, né? Faz a gente realmente achar que está maluco, que o que sentimos não é uma possibilidade. Só isso já é uma forma de bifobia. E acaba fazendo com que muitas pessoas bissexuais não se descubram", contou à reportagem.
Falando para a comunidade bissexual
Por causa dessa invisibilidade, o acadêmico tem adotado uma postura diferente ao longo dos anos: priorizar pessoas bissexuais em tudo o que faz. "Eu sinto que, muitas vezes, as pessoas bissexuais sentem essa necessidade de ficar se justificando. Então, a gente está falando para fora da comunidade", disse Nick.
"Estamos falando para os heterossexuais, para as lésbicas, para os gays. Vamos falar para nós mesmos, vamos falar sobre o que é importante para nós'", acrescentou ele, que é autor do curso "O Bi Não é de Dois Gêneros: Entendendo a Bissexualidade e a Bifobia", que terá uma edição online nos dias 28 e 29 de setembro.
Segundo Nick,uma das prioridades é acolher pessoas que ainda estão em processo de aceitação e também aquelas da militância que estão cansadas. "Neste Dia da Bissexualidade, eu gostaria que as pessoas olhassem mais para dentro da comunidade."
"Porque acho que isso também é um reflexo da nossa invisibilidade. Estamos tentando nos provar para sobreviver, para ter paz. Mas acredito que o momento é de falarmos para nós mesmos, a partir da nossa vivência, dando essa prioridade. Há muitas coisas que sofremos e que acabam sendo negligenciadas, porque outras comunidades cobram essa justificativa de nós por interesse", disse ele, sobre o fato de pessoas bissexuais constantemente precisarem reafirmar sua orientação sexual.
Identidade negra
Além de ser parte da comunidade LGBTQIA+, Nick Nagari também é uma pessoa negra, o que o faz vivenciar múltiplas interseções de opressão. "A raça permeia toda a nossa vida. Não tem como falar de uma pessoa bissexual racializada sem reconhecer que isso é parte da sua identidade. Eu acho que gênero e sexualidade para pessoas negras são temas diferentes, porque hoje percebo como, na minha infância, esses temas estavam presentes de forma velada."
"O racismo é algo tão invisível e tão grande que eu não conseguia entender por que me sentia diferente. Depois que eu entendi o que era racismo, eu percebi que tinha uma outra coisa também, que é a sexualidade. Não dá para separar da vivência da pessoa bissexual negra essas duas coisas. Elas funcionam em conjunto", afirmou ao Terra NÓS.
Segundo Nick, devido a essas interseccionalidades, existem pautas que as pessoas LGBTQIA+ consideram prioritárias, mas que, para ele, nem sempre são as principais. "Enquanto pessoa negra, ainda estamos lutando pelo mínimo de dignidade. E as pessoas brancas, muitas vezes, já têm esse direito garantido pela sociedade", explicou.
E, dentro do movimento negro, ele também é bissexual. "Muitas pautas do movimento negro são muito cis-heteronormativas, porque as pessoas estão focadas nessas urgências para falar de negritude. A gente precisa romper com esses caminhos e dizer: 'não, mas tem outro jeito de ser negro, como eu. Tem outro jeito de ser bissexual, como eu'."