Conhecida como Deusa Cientista nas redes sociais, Kananda Eller mostrou que ciência tem um espaço importante nas redes sociais quando viralizou com um vídeo no qual conta que o médico Onyema Ogbuagu, um homem negro, foi quem liderou os estudos clínicos da vacina da Pfizer/BioNTech contra a covid-19.
Nascida em Plataforma, subúrbio ferroviário de Salvador, Kananda, que é palestrante e mestranda em Ensino de Ciências Ambientais na Universidade de São Paulo (USP), começou a gostar de ciência ainda na infância.
Incentivada pela família, a soteropolitano sempre participava de aulas de robótica e ciência nos laboratórios da Escola SESI, conhecida pelo incentivo à produção científica, onde conseguiu vaga graças à avó, que dormiu dois dias em uma fila para ganhar uma bolsa de estudos para a neta.
Outra pessoa importante na formação de sua carreira foi sua mãe, que sempre priorizou que Kananda tivesse os melhores estudos e um ótimo conhecimento de ciência.
“Na cabeça dela, existem profissões que são para pessoas brancas e para pessoas negras, que são para mulheres e que são para homens. E as profissões que são ditas para homens brancos, são profissões mais valorizadas, onde você recebe mais dinheiro, consegue acessar melhores espaços. Nisso, ela viu que eu deveria ocupar esse espaço”, conta.
Referências
Apesar do interesse das pessoas por figuras e personalidades que inspiram e incentivam a seguir um caminho, Kananda escolheu se apoiar em sua própria comunidade. “A minha família é minha inspiração. A capoeira, o meu mestre de capoeira e o meu pai de santo também são grandes inspirações”.
Mesmo assim, a jovem teve algumas referências de intelectuais negras como Angela Davis, Barbara Carine e a professora de física do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) Sonia Guimarães. “São mulheres que tiveram trajetórias no Brasil e no exterior. A primeira vez que li Angela Davis eu chorei. Quando li a professora Bárbara Carine eu também chorei. São pessoas que me tocam profundamente e que têm trajetórias que eu respeito muito e em que me inspiro para construir a minha”, revelou.
Kananda também ressalta que sua jornada acadêmica demandou persistência também fora da sala de aula. “Eu estudei Química na Universidade Federal da Bahia e ela fica em um bairro nobre aqui em Salvador, que é Ondina. Eu sou uma mulher negra de periferia, do subúrbio de Salvador, e sempre tive que me deslocar por quase duas horas para ir e quase duas horas para voltar. Eu estava todos os dias lá. Saía de manhã muito cedo e chegava em casa muito tarde”.
“Eu lembro que eu fazia bolo de pote e vendia na universidade. Sempre fui uma pessoa muito tímida, mas o meu propósito não me fazia olhar para essas minhas características. Muitas vezes eu nem me considerava uma pessoa tímida, mas uma pessoa que se sentia intimidada em alguns espaços. Mas isso nunca foi um motivo para me paralisar ou para deixar que eu lutasse pelas coisas que acreditava”, comentou Kananda.
Racismo
A cientista associa essa sensação de intimidação ao racismo. “O racismo cria essa crosta nas pessoas negras, como se a gente tivesse que estar em um lugar. Muito calada, silenciada, como se a gente não pudesse ocupar os espaços, como se a gente não pudesse pensar ou falar o que a gente pensa”.
“Então, é muita ousadia para todo esse sistema racista ter uma mulher que está dentro da ciência, falando sobre ciência e comunicando que é importante ter mais pessoas negras, que a gente está ali fazendo esse trabalho de produção de conhecimento científico há milhares de anos atrás”, continuou.
Para Kananda, seu trabalho é tornar a ciência popular, usando isso para combater o racismo, o machismo e a inferiorização de pessoas indígenas e negras. “Muitas vezes essas pessoas são vistas como aquelas que não entendem de nada, que não sabem produzir conhecimento, que não são intelectuais e, consequentemente, nunca vão ser cientistas”.
Vivendo uma nova etapa em sua vida, a cientista agora é apresentadora do programa “Ciência, Substantivo Feminino”, do GNT, projeto que aborda a trajetória de mulheres brasileiras cientistas para discutir assuntos como racismo, gênero e a democratização do acesso à ciência.
“Eu espero que muitas mulheres se sintam inspiradas a serem cientistas ou a superarem os desafios, porque ser mulher, ser preta ou indígena no nosso país não é fácil. Você encontra diversas barreiras e, só de ver uma mulher conseguindo ou saber que existem histórias incríveis, você sonha também que a sua pode ser algo tão incrível quanto. O tempo todo as mulheres foram educadas a não pensarem dessa forma”, contou.