Dezenas de crianças indígenas que sofrem de desnutrição e doenças agudas foram hospitalizadas na capital de Roraima, com familiares deitados em redes segurando seus corpos raquíticos, em cenas que destacam a gravidade de uma crise de saúde pública que foi descrita como a "pontinha do iceberg" pela ministra dos Povos Indígenas.
A secretária de Saúde de Boa Vista, Regiane Matos, disse nesta sexta-feira, 27, que 59 crianças indígenas estão internadas atualmente no único hospital pediátrico do Estado, 45 delas do povo yanomami. Oito estavam sob cuidados intensivos.
O número se compara a um total de 703 internações em todo o ano passado, disse a secretária, observando que a maioria das crianças foi internada por diarréia aguda, gastroenterocolite, desnutrição, pneumonia e malária.
O Ministério da Saúde declarou na semana passada uma emergência médica no Território Yanomami, a maior reserva indígena do país, após relatos de crianças morrendo de desnutrição e outras doenças causadas pelo garimpo ilegal na região.
Autoridades do governo chamaram a crise de "genocídio", culpando o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro de negligência, com alguns dizendo que o território indígena agora parece um "campo de concentração".
"A desnutrição é o maior problema no momento", disse a secretária de Saúde de Boa Vista, Regiane Matos, em entrevista à Reuters. "Essas pessoas foram esquecidas em suas comunidades. Nos últimos anos só piorou, e o que queremos agora são soluções".
Ela disse que o garimpo ilegal na região "agravou" a crise, poluindo severamente os principais cursos d'água do território, onde os yanomamis obtêm água e comida.
A reserva é invadida por garimpeiros ilegais há décadas, mas as incursões se multiplicaram depois que Bolsonaro assumiu o cargo em 2018, prometendo permitir a mineração em terras protegidas.
"O garimpo contamina a água. O garimpo impede os indígenas de circularem no território para buscar alimentos que vêm da natureza, que já estão escassos por conta do desmatamento, e traz insegurança para eles produzirem seu próprio alimento, porque o território é tomado por invasores", disse a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, em entrevista à Voz do Brasil.
Segundo ela, a questão yanomami "é uma pontinha do iceberg diante de tantos casos que estão ainda invisibilizados".
No hospital pediátrico de Boa Vista, a Reuters testemunhou várias crianças indígenas tão magras que suas costelas eram visíveis. Seus pais pediram ajuda.
"Muitos estão doentes, não há comida!" disse Marcelo Yanomami, pai de uma criança hospitalizada. "Muitos parentes nossos morreram. Muitos yanomami morreram."
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou a região na semana passada. A Força Aérea Brasileira abriu nesta sexta-feira um hospital de campanha em Boa Vista para atender cerca de 700 yanomami e tem realizado voos para entregar alimentos na região.
"(Os invasores) destruíram os rios, contaminaram os rios. De lá que as comunidades tomaram água suja, tomam ainda água suja, e as crianças adoeceram -- diarreia, febre. Muitas crianças morreram, várias vezes presenciei isso", disse Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami, à Reuters.