Diminuição de renda de famílias negras afeta alimentação na primeira infância

De acordo com estudo da Rede PENSSAN, 6 em cada 10 lares chefiados por pessoas negras enfrentam insegurança alimentar

5 ago 2022 - 17h24
(atualizado às 18h39)
Imagem mostra criança negra na primeira infância abraçada a uma cerca.
Imagem mostra criança negra na primeira infância abraçada a uma cerca.
Foto: Imagem: Pixabay / Alma Preta

Estudos afirmam que a diminuição do poder de compra das famílias afeta diretamente a insegurança alimentar na primeira infância, principalmente entre as famílias negras. As principais causas são as consequências da pandemia, aumento do desemprego e ausência do poder público. Apesar do cenário apresentado, menos de 1% do orçamento federal foi destinado à faixa etária em 2021.

De acordo com estudo da Rede PENSSAN, a insegurança alimentar grave aumentou nos domicílios com pessoas de referência negra (preta ou parda) de 8,7% para 10,2%. Além disso, na mesma população houve um aumento de mais de 60% na proporção daquelas que convivem com a fome, dentre os brancos esse aumento foi de 34,6%, comparando os resultados dos dois inquéritos da Rede.

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O relatório do estudo ainda traz uma comparação importante entre 2020 e 2022. Se no primeiro ano não havia domicílios com renda maior que um salário mínimo por pessoa em situação de fome, no início de 2022 essa deixou de ser uma garantia contra a privação do consumo de alimentos - consequência da crise econômica e dos reajustes do salário mínimo abaixo da inflação.

Esses aspectos refletem diretamente na renda média da população. De acordo com estudo divulgado pelo PNAD contínua Trimestral do IBGE, a renda dos mais pobres voltou a cair no 1º trimestre de 2022, elevando para 25,2% a fatia da população nas regiões metropolitanas do país que vivem em lares cujo rendimento médio per capita é de no máximo R$ 303 por pessoa.

Para compreender a relação do poder de compra e a insegurança alimentar na primeira infância, a equipe da Alma Preta Jornalismo conversou com Raquel Uchôa, professora do Departamento de Ciências do Consumo da Universidade Federal Rural de Pernambuco e integrante da coordenação do Observatório da Família - Instituto Menino Miguel. Ela afirma que além e junto da pandemia, muitos fatores sociais, políticos e econômicos foram preponderantes para atenuar a vulnerabilidade de famílias negras e periféricas, como o negacionismo científico, crises política, ética e social, PEC do corte de gastos, além dos sucateamentos da educação, saúde e assistência social.

A professora comenta, em cima de um estudo realizado pela Unicef, sobre pobreza infantil monetária no Brasil, que a baixa renda afeta com mais intensidade as famílias que estão nas estruturas periféricas, como a população negra. "Essa questão configura cotidianos onde as presenças das vulnerabilidades de riscos e violações de direitos estão muito presentes. E isso tem um impacto direto na perspectiva de você conseguir o acesso ao direito de se alimentar, não só o acesso ao alimento, mas o alimento com qualidade e regularidade."

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Quanto a essa ausência no caso da primeira infância, ela comenta que o cuidado deve ser pensado como uma responsabilidade que é partilhada entre o estado, as famílias e a sociedade. Em contraponto à declaração sobre o papel do órgão público, o relatório produzido pelo Grupo de Trabalho (GT) apurou que menos de 1% do orçamento federal foi destinado à primeira infância no ano passado.

"Essa questão em termos de investimento em ações relacionadas às políticas sociais refletem diretamente no cotidiano da primeira infância e suas famílias", completa Raquel.

Outro ponto que a professora destaca é o acesso das famílias a alimentos de qualidade e a exposição à ultraprocessados decorrentes da diminuição de renda. Para a professora, esses dispositivos de alimentação segura estão relacionados diretamente ao direito à saúde das crianças, principalmente aquelas que estão na faixa etária da primeira infância.

Ela afirma que a escassez de renda ou a renda insuficiente que vincula os indivíduos e as famílias à condição de pobreza ou extrema pobreza, está mais presente no caso das famílias pretas, famílias chefiadas por mulheres, famílias com presença de crianças pequenas e famílias que habitam áreas periféricas.

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É o que relata Priscilla Cordeiro, assistente social, trabalhadora do SUAS e doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). "As famílias que buscam o serviço são em maioria negras." Ela comenta que há dificuldade em quantificar precisamente em razão da subnotificação do quesito raça/cor nos instrumentais e no registro por parte dos profissionais. "Uma grande lacuna, sem dúvida, mas empiricamente percebe-se uma maioria expressiva de crianças negras como membros das famílias assistidas".

De acordo com a assistente social, a situação de insegurança alimentar na primeira infância foi agravada pela pandemia. Ela ressalta que durante a fase mais crítica do período, as filas dos CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) eram enormes em busca de leite, cesta básica e outros benefícios que fizessem frente ao agravamento da fome.

"Pensar no impacto do desemprego associado à alta do custo de vida pode ser justificativa para aumento da fome entre as crianças e suas famílias", afirma.

Diante da crise, Priscila salienta que é fundamental relacionar a situação de insegurança alimentar enfrentada pelas crianças brasileiras como expressão do empobrecimento geral das famílias. Em parte motivada pelo desemprego crescente, mas também pela inflação dos alimentos em virtude da política econômica adotada pelo atual governo.

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Segundo ela, até as famílias que possuem responsáveis empregados não estão dando conta de suprir as necessidades alimentares, pois os custos com alimentos não são assegurados com a renda já comprometida pelos altos preços e demais despesas como aluguel, transporte e afins.

Brasil tem aumento de mais de 60% de pessoas negras que convivem com a fome

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