"É a impunidade que propaga o racismo”, diz Aída do Santos

Aos 85 anos, primeira brasileira a chegar a uma final olímpica combate preconceito e se tornou uma das principais vozes do esporte

13 mai 2022 - 02h23
(atualizado às 11h31)

Marcada na história do esporte, Aída do Santos, primeira brasileira finalista nos Jogos Olímpicos, usa sua voz desde os primórdios da carreira para lutar por igualdade. Neste 13 de maio, Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo, aos 85 anos e sem papas na língua, ela segue denunciando e levantando a bandeira antirracista.

“O racismo existe e sempre vai existir. Eu sinto isso desde criança. Muitos falam: ‘Ah! Está melhorando’. Não acho que esteja melhorando, não. Antes, os negros guardavam isso, deixavam oculto. Agora, as pessoas estão denunciando. Então, todo este contexto está cada vez mais evidente”, disse Aída em entrevista exclusiva ao Papo de Mina.  

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“Infelizmente, o Brasil ainda sofre e vai sofrer muito com o racismo. O que precisa acontecer é que as leis sejam mais rígidas. É a impunidade que propaga o racismo, porque as pessoas sentem que podem tudo.”

Aida carregou a tocha olímpica nos Jogos Rio-2016
Aida carregou a tocha olímpica nos Jogos Rio-2016
Foto: Ivo Lima/Fotos Públicas

Na juventude, a personalidade do atletismo queria, na realidade, praticar vôlei. Só que o ambiente de segregação a colocava à margem dos esportes coletivos que não fossem o futebol. 

“Ouvi muitas vezes das pessoas que negro tinha que praticar atletismo. Eu sempre rebatia e continuava jogando. É engraçado que conquistei as coisas no atletismo, mas me envolvo com o vôlei até hoje. Lugar de negro é em qualquer lugar, em qualquer esporte”, contou. 

Primeira brasileira em final olímpica

Apesar de estar eternizada na calçada da fama do COB (Comitê Olímpico Brasileiro), Aída superou inúmeras barreiras para chegar ao auge da profissão de qualquer atleta: disputar uma Olimpíada. 

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Aida foi eternizada na calçada da fama do COB
Foto: Divulgação/COB

“Desde a época da escola já sofria racismo e sempre foi muito difícil. Quando, finalmente, consegui me classificar para uma Olimpíada, sofri de tudo, todo tipo de humilhação, por não ter o mínimo de apoio. Eu tenho certeza que tudo o que aconteceu foi por causa da minha cor”, afirmou.

Para conseguir garantir a vaga nos Jogos de Tóquio, de 1964, Aída passou por mais um teste além das Eliminatórias, o Troféu Brasil da época. Ela recebeu a confirmação em setembro, faltando apenas um mês para a competição do outro lado do mundo, mesmo depois de ter alcançado o índice necessário para se classificar.

“Tanto eu quanto a [Maria da Conceição] Cypriano fomos obrigadas a disputar várias competições pelo país, mesmo já tendo saltado com marca suficiente. Não entendemos o motivo daquilo. Antes da última prova, que foi Maracanã, precisei ajudar minha mãe a limpar a casa, lavar roupa e fazer tudo”, afirmou. 

Aida dos Santos foi a primeira brasileira a chegar a uma final olímpica
Foto: Arquivo/COB

“Foram tantas competições, que chegou um ponto que nem eu achava que ia mais classificar e ainda mais porque não tinha o apoio da minha família. Estava cansada demais e já não queria disputar os Jogos. Só disputei a prova por causa do meu técnico, que me falou para não desistir. Saltei 1,65m, cinco centímetros a mais que a Cypriano”, acrescentou. 

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Mesmo sem apoio da entidade do esporte nacional, ela conquistou o quarto lugar no salto em altura. O resultado foi o melhor de uma brasileira durante 32 anos, até 1996, quando a dupla do vôlei de praia, Sandra e Jaqueline, levou o ouro nos Jogos de Atlanta.

“Chorava todos os dias na Vila Olímpica. Fui sem qualquer suporte, sem saber falar a língua, sem médico e sem nenhuma ajuda. Nem uniforme eu tinha. Quando voltei, depois de ter a melhor marca de uma mulher brasileira, que é negra, me receberam com flores e queriam que eu desfilasse em caminhão de bombeiro”, relembrou. 

Depois de 53 anos, Aida recebeu uniforme dos Jogos de 1964
Foto: Divulgação

“Não aceitei desfilar, porque precisava de apoio antes de ter ido. Depois que voltei, não precisava mais de nada. Então, não deixei de denunciar as coisas que aconteciam comigo e com outros atletas negros em nenhum momento.”

A força nas palavras de Aída também ecoou de forma negativa para uma parte do COB. A ex-saltadora acredita que o corte dos Jogos de Munique, em 1972, aconteceu por conta de uma entrevista que concedeu antes do evento, em que falava sobre problemas enfrentados por negros no ambiente de treinos. 

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“Eu fui punida. Sabia que não tinha ido para a Olimpíada por causa de uma entrevista. Mas na minha cabeça, só pensava: ‘Posso não competir, mas vou falar a verdade’. Ser uma representante, uma voz para combater o racismo representa tudo para mim. Sempre falei para os meus colegas, principalmente dos esportes individuais, que eles precisavam falar e denunciar. Não tenham medo”, finalizou.  

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