O rosto e o corpo expõem as marcas visíveis do crime, mas os vestígios mais cruéis de seu sofrimento estão justamente na ausência. Em uma noite de 2013, Barbara Penna acordou sendo espancada pelo ex-companheiro João Guatimozin Moojen Neto. Ele tentou queimá-la viva e a arremessou ardendo em chamas do terceiro andar do apartamento em que morava com a avó, em Porto Alegre (RS). Barbara ficou quatro meses no hospital e enfrentou mais de duzentas cirurgias, mas sobreviveu. Seus dois filhos - Isadora, de dois anos, e Henrique, de apenas três meses - não resistiram aos efeito da fumaça do incêndio criminoso provocado pelo próprio pai, que atraiu Barbara até o local com a justificativa de que queria ver as crianças. Um vizinho que tentou salvar Isadora e Henrique também acabou falecendo.
Quase uma década depois da tragédia, Barbara, hoje com 28 anos, luta para que o combate à violência contra a mulher seja mais efetiva no Brasil. Para isso, criou um abaixo-assinado reivindicando uma série de mudanças na Lei da Maria da Penha que, em seu ponto de vista, não protege as vítimas de maneira eficaz. A Lei completou 16 anos em vigor em 2022.
Segundo Barbara, antes da violência que sofreu ela tentou denunciar o ex em uma delegacia e teve seu direito negado. "Da forma que entrei, eu saí: desmotivada e desorientada", relata. "Anos após tragédia, em 2017, fui ameaçada e perseguida pelo pai do meu agressor. Mesmo levando provas e fotos da perseguição até a delegacia especializada da mulher da minha cidade, ainda assim eu não consegui a renovação da medida protetiva que havia solicitado. A Lei Maria da Penha falhou comigo, mais de uma vez", completa.
Em 2019, João Guatimozin Moojen Neto foi condenado a 28 anos de prisão por tentativa de homicídio - e não por feminicídio. Ele foi parcialmente sentenciado pela morte das crianças e absolvido pela morte do vizinho idoso que faleceu ao tentar ajudá-las.
"Quem corre risco tem pressa"
Barbara explica que a sua história é um exemplo claro de que a lei não é justa com as mulheres, que não recebem a devida proteção que necessitam em situações extremas. "Quem corre risco tem pressa", avisa.
De acordo com ela, a Lei Maria da Penha precisa ter de forma mais explícita o que deve ser feito com o agressor, as formas de cada mecanismo, quais os verdadeiros direitos da mulher, qual proteção ela e os filhos terão e assim por diante. "A falta de clareza em artigos e incisos favorecem brechas em sua aplicação", observa.
Entre as das proposições do abaixo-assinado estão retirar do boletim de ocorrência policial o endereço da vítima, a exigência de um profissional de psicologia em cada Delegacia da Mulher para atendimento imediato da vítima e para averiguação de falsas denúncias e uso de tornozeleira eletrônica para o acusado, despachada juntamente com a medida protetiva, como medida cautelar e monitoramento em caso de aproximação dos ambientes frequentados pela vítima.
Até o fechamento deste texto, 715.192 pessoas tinham assinado a petição. "Eu espero atingir a meta de 1 milhão de assinaturas para poder apresentá-la ao Congresso Nacional como um projeto de lei de iniciativa popular. Temos que ter tolerância zero no combate à violência contra a mulher. São vidas ceifadas que não retornam mais, psicológicos destruídos, famílias arruinadas e uma sociedade que carece de atenção, porém, se acostumou com os gritos de socorro. Sigo me dedicando diariamente para que as mulheres tenham um desfecho diferente do meu. Minha história eu não posso mudar, mas através da minha trágica trajetória de vida eu posso e vou ajudar todas as mulheres que precisarem de mim", pontua Barbara.
Em caso de violência contra a mulher, denuncie 👇
Violência contra a mulher é crime, com pena prevista de até 3 anos de prisão. Ao presenciar qualquer episódio de agressão contra mulheres, denuncie. Você pode fazer isso por telefone (ligando 190, 180 ou 100), pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil ou pela página do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Também pode procurar uma delegacia, normal ou especializada.
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