A juíza Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina, que vem sendo duramente criticada pela forma como conduziu o caso da menina de 11 anos que engravidou após ser vítima de um estupro, já escreveu sobre a importância de realizar um acolhimento humanizado com crianças e adolescente que foram vítimas e testemunhas de casos de violência sexual.
A criança teve a gestação interrompida na quarta-feira, segundo o Ministério Público Federal (MPF). Joana não atua mais no caso - foi promovida antes da repercussão sobre a sua atuação.
A magistrada é co-autora do livro Criança, Pandemia e Adolescente - Em busca da efetivação dos seus direitos junto com Josiane Rose Petry Veronese, docente doutora em direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A obra foi publicada pela editora Lumen Juris, em 2020.
No capítulo 7, A criança, o adolescente, suas demandas: reflexões necessárias, que Joana Ribeiro Zimmer assina sozinha, a juíza trata com importância a chamada Lei do Depoimento Especial (13.431/2017). A magistrada se refere à legislação como um "calor humano para a instrução processual".
Na passagem do livro, ela menciona a referida lei como uma medida que consegue garantir maior proteção a crianças e adolescentes, nos casos em que são vítimas ou testemunhas de episódios de abuso sexual e outras violências.
"Outro movimento vindo com o famoso 'Vento Minuano' do Rio Grande do Sul, conhecido com 'Vento do Sul' em Santa Catarina, ao invés do frio, trouxe calor humano para a instrução processual como forma humanizada de oitivas de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de abuso sexual e outras violências, cujo movimento iniciado pelo magistrado José Daltoé [do Rio Grande do Sul] culminou na aprovação da Lei do Depoimento Especial", escreveu a juíza.
A Lei do Depoimento Especial determina que crianças e adolescentes, vítimas ou testemunhas de violência, incluindo a sexual, tenham um tratamento especializado por parte de autoridades policiais e judiciárias.
Entre as medidas estabelecidas na legislação estão o acompanhamento de profissionais preparados para auxiliar o menor na compreensão das perguntas e na explicação de direitos; a realização da escuta do depoimento em local acolhedor e com estrutura capaz de preservar a identidade da criança ou do adolescente; e a possibilidade de a vítima relatar o caso diretamente para o juiz.
Joana Ribeiro Zimmer tem sido alvo de críticas pela forma como se portou diante de uma menina, então com 10 anos e vítima de estupro, em uma audiência realizada em Tijucas, a 50 quilômetros de Florianópolis.
Nos vídeos, divulgados pelo portal Catarinas e pelo site The Intercept na última segunda-feira, 20, a juíza pergunta à criança se ela aceitaria continuar com a gestação "por mais duas ou três semanas", na tentativa de antecipar o parto a ponto de salvaguardar a vida do feto e doar o bebê para outra família.
"Quanto tempo que você aceitaria ficar com o bebê na tua barriga para a gente acabar de formar ele, dar os medicamentos para o pulmãozinho dele ficar maduro para a gente poder fazer a retirada para outra pessoa cuidar?", perguntou a juíza. "Se a tua saúde suportasse [a gestação], tu suportaria ficar mais um pouquinho com o bebê? Mais duas ou três semanas?"
Em outros momentos da audiência, Joana Ribeiro Zimmer questiona a menina se ela achava "que o pai do bebê concordaria com a entrega para adoção?" e também chegou a perguntar à vítima se ela queria escolher um nome para o feto.
O Estadão procurou a juíza para ouvir a sua versão sobre o caso, e o posicionamento da magistrada sobre a lei citada. Contudo, a reportagem não teve retorno até a publicação desta reportagem.
Aproximação com área da infância
Juíza de direito desde 2004, Joana Ribeiro Zimmer tem trilhado um caminho profissional e acadêmico próximo ao da área dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Depois de concluir uma tese de mestrado sobre guarda compartilhada, a juíza ingressou no doutorado. Na formação, tem estudado as relações do plano nacional da primeira infância com a Justiça da criança e do adolescente. As informações são do currículo lattes (que reúne informações profissionais e acadêmicas) da magistrada, disponível na plataforma do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Joana Ribero Zimmer também é membro do Conselho Consultivo da Coordenadoria Estadual da Infância e Juventude do Tribunal de Santa Catarina (CEIJ/TJSC) e pesquisadora do Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente (Nejusca), da Universidade Federal de Santa Catarina.
Além do Criança, Pandemia e Adolescente, a magistrada também já publicou outros dois livros, assinou seis capítulos em outras obras - a maioria sobre os direitos da criança e do adolescente - e também publicou dois artigos científicos sobre o tema.
Atuando na área da Infância e Juventude, da 1ª Vara Cível de Tijucas, Joana Ribeiro Zimmer foi promovida por merecimento para exercer a magistratura na Comarca Comercial de Brusque. A promoção foi concedida em 15 de junho, antes de o caso envolvendo a menina de 11 anos ser divulgado.