Luiza Erundina de Sousa, de 87 anos, tem o privilégio de carregar dentro de si, parte da história democrática do Brasil. Assistente Social por formação e política por vocação, foi reeleita no último dia 2 de outubro de 2022, para o sétimo mandato como deputada estadual, com quase 114 mil votos.E não foi à toa.
Com uma carreira política de realizações como poucos, ela já apresentou mais de 1.700 projetos de lei em defesa das mulheres, gestantes, crianças e trabalhadores. Alguns deles viraram lei de ementa à Constituição, como a que inclui o transporte na lista de direitos sociais previstos no artigo 6° da Constituição Federal de 1988, o que garante políticas de gratuidade, por exemplo.
Em entrevista ao Terra NÓS, ela falou sobre o trabalho de confronto e oposição que deverá fazer frente ao legislativo mais conservador dos últimos quarenta anos e como os 80+ influenciam no seu modo de levantar bandeiras sociais.
Terra NÓS: Deputada, a senhora foi reeleita para o sétimo mandato consecutivo. Nesses últimos anos, a senhora pode ver muitas configurações do legislativo. Como a senhora o resultado da última eleição?
Erundina: Eu tenho a honra de, aos 87 anos, participar ativamente da política, escolhida através do voto. Durante esses quase 24 anos como deputada, pude acompanhar a qualidade da representatividade dessa chamada “Casa do Povo” e posso te dizer com toda certeza: a cada ano está piorando. Tivemos mais de 40% de renovação, com novos deputados, mas isso não quer dizer que tivemos uma qualidade nas representações. O que temos são nomes novos na política que permeiam as tradições da política feita por coronéis que visam apenas os próprios interesses. Tivemos alguns nomes eleitos bem importantes, mas a maioria são pessoas que querem ocupar esse espaço do centrão, que não atende as necessidades reais das pessoas.
Essa piora que a senhora cita, começa quando?
Neste meu atual mandato, que termina em fevereiro de 2023, coincidiu com o mandato do atual presidente Jair Bolsonaro. Houve uma descontinuação das políticas de direitos humanos, e prejuízos reais nas políticas sociais e de cidadania. Há um clima de tensão entre os poderes, que eu não testemunhei em outros mandatos. Ele consegue desestabilizar a ordem institucional do País e isso é muito grave para a democracia. Colocar um poder contra o outro, o STF, o Congresso Nacional, com ameaças de fechamento. Estamos num momento muito delicado para o Brasil.
O próximo mandato da senhora, será mais díficil?
Com certeza será o mais combativo dos últimos anos no Congresso Nacional. Tivemos um Congresso inerte durante o governo de Jair Bolsonaro. Rodrigo Maia não tomou iniciativa sobre os quase 200 pedidos de impeachment contra o presidente. Arthur Lyra é mais bolsonarista que o próprio Bolsonaro. E os crimes de responsabilidade do presidente ficaram sem solução. Com um Congresso mais conservador, teremos que fazer uma frente mais combativa. Mas para mim o quadro mais preocupante é o do Senado. Porque até então, não havia uma maioria de extrema direta. Hoje isso já é uma realidade.
E como a senhora enxerga a importância de continuar nesse espaço de discussão e construção que é o Congresso Nacional, aos seus 87 anos?
Ao longo da minha carreira, sempre atuei com pessoas de diferentes idades, e isso foi muito enriquecedor. Eu entendo que envelhecer é um processo natural do qual todos nós vamos passar a menos que a gente morra antes. Então envelhecer é uma certeza e nunca foi um empecilho pra mim. É claro que por eu ser mulher, nordestina, de esquerda, assistente social defensora dos direitos humanos, tudo isso já em coloca num lugar exposto para ataques. Mas hoje, sendo uma idosa, penso que minha permanência no Congresso traz visibilidade para algumas pautas, como as Políticas Públicas para a população 60+, por exemplo. Embora eu tenha uma agenda mais ampla, em defesa das mulheres, crianças e de políticas sociais, um idoso que me vê atuando se sente representado.
Você acha que motiva outras pessoas idosas a participarem da vida política e das discussões sociais?
Acredito que sim. Eu não vejo dificuldade alguma em atuar. E também não acho que seja incoerente para a sociedade que eu continue atuando. Enquanto eu tiver saúde física e lucidez, vão me ver falando e fazendo política sim.