Conforme dados divulgados recentemente, a mineração ilegal em terras indígenas da Amazônia Legal - área que engloba nove estados do Brasil - aumentou 1.217% nos últimos 35 anos. De 1985 para 2020, a quantidade de terras atingidas pela atividade garimpeira passou de 7,45 km² (quilômetros quadrados) para 102,16 km², um crescimento que tem se revelado criminoso sob vários aspectos e cujas consequências têm chocado o país e o mundo.
Segundo um estudo conduzido por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Universidade do Sul do Alabama, dos Estados Unidos, quase todo o garimpo ilegal (95%) fica em apenas três terras indígenas: a Kayapó, a Munduruku e a Yanomami. Estas últimas, em Roraima, são as mais afetadas pelo garimpo ilegal. Na região, rica em depósitos de ouro, vivem cerca de 26 mil membros dos povos Yanomami e Ye’kwana, distribuídos em 321 aldeias.
A área é alvo de cobiça de garimpeiros desde a década de 1970 e sempre enfrentou problemas - mesmo após a demarcação oficial em 1992. Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, adepto de uma política notoriamente anti-indigenista, a situação se agravou e os danos foram potencializados durante a pandemia de Covid-19. O resultado é um rastro de fome, desmatamento e morte entre os Yanomami. Neste Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas entenda melhor o impacto da atividade através de uma lista com os principais malefícios que indicam a necessidade de maior fiscalização e punição do garimpo ilegal.
Tradições em jogo
A mineração causa violações muitas vezes irreparáveis dos direitos indígenas e desestrutura os grupos física e culturalmente ao causar um impacto social destrutivo nos conhecimentos tradicionais, no dia a dia e em seus valores. Muitas comunidades abdicam de práticas relacionadas à agricultura, pesca e caça para viverem do extrativismo e da renda do garimpo.
Fome e desnutrição
Além da contaminação dos rios e dos peixes que servem de alimento aos indígenas por mercúrio, a ocupação do território e a destruição da floresta dificultam a manutenção e abertura de roças, a caça, a pesca e a coleta de frutos, principais fontes de alimentação das comunidades. Sem comida e assistência médica, a condição dos enfermos piora. Uma criança de apenas um ano e cinco meses de idade morreu no domingo (5) na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, vítima de desnutrição grave e desidratação. Nos últimos quatro anos, foram registradas 570 mortes de crianças no território.
Exploração comercial
Produzido em abril de 2022 por lideranças indígenas o relatório “Yanomami sob Ataque” descreve que, com o aprofundamento das relações com o garimpo, muitas famílias deixaram de cultivar suas roças e tornaram-se dependentes de trocas desiguais com os garimpeiros. Alguns trabalham como carregadores em troca de pagamento em dinheiro ou ouro para depois comprar nas cantinas dos acampamentos, onde 1 quilo de arroz ou um frango congelado custam 1 grama de ouro ou 400 reais, diz trecho do relatório.
Água contaminada
A garimpagem libera grandes quantidades de sedimentos nos cursos d’água, principalmente mercúrio. A contaminação dos rios pelo mercúrio provoca uma série de doenças e impactos sanitários entre os povos indígenas, que usam os rios para tomar banho e consomem os peixes e os bichos da mata que podem estar contaminados pelo metal usado pelos garimpeiros.
Desmatamento
A inviabilização da exploração sustentável das matas, mediante extração de produtos madeireiros e não madeireiros, provoca a desestruturação do clima, da oferta de água e da manutenção da biodiversidade. É importante mecionar que o desmatamento costuma preceder o garimpo: sinais de desmatamento da floresta podem servir de indicativo para a ação de autoridades contra o garimpo ilegal.
Violência e morte
Ações indígenas de enfrentamento à atividade garimpeira aumentaram o número de conflitos. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgados em dezembro de 2021 registraram 103 mortes no mesmo ano por causa do enfrentamento direto - contra apenas nove em 2020. Um desses conflitos provocou a morte de duas crianças indígenas, que morreram afogadas após pularem em um rio para fugir dos tiros disparados contra indígenas por homens encapuzados na região de Palimiu.
Agressão sexual
Em abril de 2022, uma menina de 12 anos foi estuprada e morta por garimpeiros, na comunidade de Aracaçá, que fica na região Waiakás, em Roraima. O relatório “Yanomami sob Ataque” aponta que têm se tornado comuns denúncias de mulheres indígenas por garimpeiros, com entrega de comida em troca de sexo e oferta de álcool às meninas para "facilitar" o crime.
Doenças
Houve uma explosão no número de doenças infectocontagiosas como a malária no território. O desmatamento causado pelo garimpo e as piscinas de resíduos deixadas pela atividade favorecem o aumento do número de mosquitos. Outra questão crucial é a fragilização do sistema de saúde nas comunidades indígenas, com o abandono de postos de saúde em regiões sob controle dos garimpeiros, bem como a ocupação de pistas de pouso comunitárias pelo garimpo. Lideranças também já relataram casos de desvio de medicamentos reservados para os indígenas pelos garimpeiros ilegais. Gripe, pneumonia e casos de Covid-19 também são relatados.