Quem olha Maite Schneider, com sua beleza, exuberância e alegria de viver, pode cair no erro de achar que sua estrada foi leve – como ela transparece no dia a dia. Conhecida por sua militância LGBTQIA+ e por ter lançado o primeiro site de diversidade da internet em 1997, o Casa da Maite, ela encontrou não apenas obstáculos, mas muralhas a transpor, a começar pela transição de gênero na década de 1980, quando pouco se sabia ou se falava sobre o assunto, que deixou marcas no corpo e na alma. Em 2013, criou a TransEmpregos, plataforma dedicada à empregabilidade de pessoas transgêneras que se tornou referência no mercado.
Nascida Alexandre, na infância Maite se sentia um E.T., como ela mesma conta, por não se identificar com o irmão mais velho, e sim com sua irmã mais nova. “Mas me diziam que eu não podia ser como ela. Ninguém entendia muito isso na época, porque as pessoas não discutiam sobre transexualidade”, lembra.
Na adolescência, isso ficou mais evidente. Não gostava do que via no espelho, não gostava de se tocar. Meu pai disse: “Se não quiser ter problemas, imite o seu irmão”. Fez judô e escotismo, mas não se adaptou; era motivo de chacota. Além disso, existia a questão religiosa, muito presente por conta do colégio onde estudou, então se sentia "suja, pecadora, maldita".
Aos 13 anos, tentou o primeiro suicídio; a outra vez foi com quase 16. “Quando se tenta suicídio é porque a pessoa não acredita mais nela”, diz. Mas seu pai nunca a abandonou. “Daí a importância de ter alguém do seu lado, seja pai, seja algum familiar, seja alguém que goste de você, que acredite em você. Meu pai nunca desistiu de mim, mesmo quando eu desisti”, afirma.
O pai a levou num terapeuta, porque Maite não sabia explicar o que acontecia. “Não havia literatura sobre casos como o meu”, lembra. Diagnosticada como transexual, passou pela transição em todas suas fases. Foram 14 cirurgias em sete anos, com enxertos, pedaços retirados de bumbum, de coxa e intestino, para conseguir adequar o canal vaginal. “Nós somos uma somatória de coisas, às vezes não tão boas como a gente queria, nem tão ruins quanto imaginamos. O que a gente faz disso é o que importa”, pensa.
Já no quinto semestre de Direito, sua primeira faculdade, Maite se deparou com o preconceito na vida profissional. Ao procurar estágio nos 20 melhores escritórios de direito penal de Curitiba, onde morava, nenhum lhe deu uma oportunidade. “Eu sempre fui a melhor aluna, porque era preciso compensar o fato de ser como eu era. Entrei num período grande de depressão, tranquei o curso de Direito, porque achei que o problema era comigo, nem sabia das problemáticas das empresas, dos tais vieses inconscientes”, observa ela, que deixou de lado o mundo corporativo e se dedicou às artes e ao empreendedorismo partir disso.
Esse processo foi um incentivo a começar a participar de grupos de militância, no começo para tentar se entender. “E me entendendo, passei a conhecer as diferenças, porque achava que todos eram como eu, mas descobri a grande diversidade que existe nas letrinhas (da sigla LGBTQIA+)”, diz. Em 1997, criou o primeiro site de diversidade da internet, o casadamaite.com, que hoje faz parte do portfólio, mas até uns quatro anos atrás era uma referência de informações.
Em 2013, fundou a TransEmpregos com a advogada transexual Marcia Rocha e a cartunista Laerte Coutinho, com o objetivo de juntar as pontas - educação e acesso ao mercado de trabalho. “Hoje em dia, uma pessoa como eu, por exemplo, que consegue - o que não é fácil - furar as bolhas e fazer uma faculdade, seja qual for, não vai mais ficar sem estágio, como eu fiquei”, comemora.
Hoje a TransEmpregos tem mais de 2 mil empresas parceiras em todo o Brasil e milhares de pessoas trans que já foram empregadas desde a sua fundação. Essa é só uma das vitórias de Maite, que reconhece muitas mudanças desde o começo da sua militância, principalmente pelo maior acesso a informações pela internet, um grande divisor de águas no de passar conhecimentos e entendimentos sobre as amplitudes da possibilidade humana. “A diversidade é a maior igualdade”, acredita.
Outra mudança percebida por ela é a maior consciência do que são cidadania, direitos e deveres, além da possibilidade de acesso à justiça e a denúncias mais explicitadas e com maior amplitude. Maite diz que trabalha para ensinar gente a não ter medo de gente. “O melhor da vida são as pessoas. Eu nasci para lidar e estar com elas. Se eu deixar o legado de mais humanidade nesta minha passagem no mundo, está lindo.”