Kerexu Takuá é indígena guarani, líder articuladora na resistência aos direitos básicos dos povos de seu entorno em Porto Alegre (RS). Ela é uma das vozes na mobilização do Acampamento Terra Livre, que reúne 6 mil indígenas com o tema "Nosso Marco é Ancestral, Sempre Estivemos Aqui".
Articuladora e líder indígena no Rio Grande do Sul, a cacica Kerexu Takuá, 42, é enérgica ao dizer que “faz resistência todos os dias”. Sendo mulher, indígena guarani, com o pé fincado na militância desde os 12 anos, seu propósito é lutar por moradia, saúde, educação e demais direitos básicos aos povos de seu entorno, em Porto Alegre.
“Todos os dias eu me levanto e faço resistência. E, nesses meus 42 anos, tenho que resistir para existir”, diz, em entrevista ao Terra NÓS. Ela, inclusive, é voz atuante do movimento e coloca em pauta o ATL (Acampamento Terra Livre), maior mobilização do movimento indígena do Brasil, que tem início nesta segunda-feira (22), em Brasília.
20 anos de mobilização
O ATL completa 20 anos e, este ano, prevê reunir cerca de seis mil indígenas sob o tema “Nosso Marco é Ancestral, Sempre Estivemos Aqui”.
As demarcações de terras são reivindicações antigas das populações indígenas, cujos avanços enfrentam disputas internas do governo e se arrastam por anos. Por exemplo, o povo Kariri-Xokó, da Terra Indígena Kariri-Xokó, aguardou mais de 40 anos para a assinatura da homologação feita pelo presidente Lula (PT).
“Além da questão da crise climática, temos a demarcação de 33 territórios que foi prometida no ATL do ano passado”, lembra a cacica.
Ela comenta, ainda, que outras demandas se interseccionam à luta por território e moradia, incluindo o acesso à vacinação e cuidados com a saúde mental, incentivo às mulheres indígenas artesãs, avanços na permanência de indígenas nas universidades públicas, entre outras políticas que serão discutidas no ATL.
“Infelizmente a gente continua na mesma batalha, as faltas são as mesmas. Queremos respeito, queremos políticas públicas, acesso à uma educação não excludente, principalmente na universidade. Só colocar cotas não resolve a questão”, pontua Kerexu – que em 2018 foi a primeira mulher indígena guarani a ingressar pelo sistema de ações afirmativas na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no curso de Pedagogia.
Em sua trajetória de liderança, há cinco anos coordena o único Centro de Referência Indígena do Rio Grande do Sul, espaço de resistência que celebra tradições ancestrais. A cacica destaca o trabalho coletivo para erguer o local e das ações na Aldeia da Jurema.
Saneamento básico e saúde mental
“Estamos falando de extrema miserabilidade, não há saneamento básico. Sei a situação dos territórios que eu tenho vínculo. Lutamos diariamente para poder levar o mínimo de dignidade. Por exemplo, tivemos de instalar mangueiras e caixas d'água”, narra. Para ela, o “selvagem” é quem destrói a natureza e os recursos hídricos.
Outra pauta urgente da população indígena tem sido a saúde mental. De acordo com estudo publicado pela revista The Lancet Regional Health, a taxa de suicídios entre indígenas no Brasil chegava a 9,3 casos em cada grupo de 100 mil indivíduos em 2000. Esse número, que já era alto, dobrou em 20 anos, com 17,6 por 100 mil em 2020.
“Não temos uma política pública de saúde mental voltada aos indígenas. Nós precisamos tratar nossa saúde mental, principalmente quando acessamos a universidade e outros lugares que nos adoecem, porque nos rejeitam e nos violentam diariamente”, diz a cacica.
Indígenas não são todos iguais
Indígenas, por vezes, são colocados em um lugar comum, sendo que cada povo tem suas singularidades, tradições e demandas. No ATL, a cacica comenta que a ideia é chegar com volume, com as bandeiras das 305 etnias.
“Os povos indígenas querem ser ouvidos e respeitados dentro das suas especificidades e diversidades, nós somos 305 etnias, 274 línguas. Não somos todos iguais.”
São 305 vozes que precisam de amplitude em espaços de poder. De acordo com a cacica, já não há mais volta. “Nós vamos estar ocupando esses espaços de poder [Brasília e eventos governamentais], levando o nosso maracá [instrumento musical indígena] e nosso cocar. Espaços de discussões que tratam sobre nós, sem nenhum de nós, nunca mais”, defende Kerexu.
“E com o meu corpo-território, eu também demarco o meu direito de existir enquanto mulher indígena, o direito dos meus filhos existirem e das minhas parentas [demais indígenas de outras etnias]”, finaliza.