"Estamos mais perto das tomadas de decisão", diz primeira secretária dos Direitos LGBTQIA+

A ativista Symmy Larrat foi anunciada no final de dezembro para a Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, ligada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania

27 jan 2023 - 18h12
(atualizado às 18h36)
Primeira secretária dos Direitos LGBTQIA+ Symmy Larrat.
Primeira secretária dos Direitos LGBTQIA+ Symmy Larrat.
Foto: Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil / Alma Preta

"A gente precisa enfrentar a narrativa do ódio que foi constituída a partir de uma concepção moral distorcida acerca da família, do amor e da vida. Essa concepção exclui as corpas LGBTQIA+, as corpas negres, as corpas não-binárias, todas essas corpas que não compõem o estereótipo do que é o padrão moral e do que é o homem de bem". É o que destaca a ativista Symmy Larrat, primeira secretária dos direitos LGBTQIA+ do país.

A secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ foi anunciada no final de dezembro de 2022 por Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania. Natural de Belém/PA e formada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Pará, Symmy iniciou sua atuação na militância no início da década de 1990 no movimento estudantil e em Comunidades Eclesiais de Bases do norte do país. Ela atuou também na defesa dos movimentos pela democratização das comunicações.

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"Depois esse movimento foi chegando até às pautas dos direitos humanos e à pauta LGBTQIA+, especificamente", explica a secretária.

Atualmente presidenta da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), grande responsável pela organização do movimento LGBTQIA+ no país, Symmy também foi coordenadora-geral de Promoção dos Direitos LGBT da extinta Secretaria de Direitos Humanos no governo de Dilma Rousseff e coordenou o programa Transcidadania na gestão de Fernando Haddad, na cidade de São Paulo.

É uma honra anunciar o nome de Symmy Larrat para ocupar, pela primeira vez na história do Brasil, a Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania 👇🏿 (segue) pic.twitter.com/qEnn3UF7TM

— Silvio Almeida (@silviolual) December 31, 2022

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"Quando eu olho para esse passado, eu vejo que ele foi exatamente o que me alicerçou para chegar aqui. Ter passado por esses lugares, ter vivido e acompanhado outras militâncias, inclusive, me ajudou a entender a dimensão que é a pauta dos direitos humanos e a importância que essa política tem para vida das pessoas", comenta a secretária. "Então eu vejo esse novo desafio de assumir a secretaria como uma consequência dessa trajetória que eu venho construindo, não sozinha, mas junto a essas militâncias".

Cuidar das emergências

Esta é a primeira vez que a pauta LGBTQIA+ chega ao segundo escalão do governo. Symmy Larrat explica que, anteriormente, a pauta ocupava outros lugares dentro da pauta dos direitos humanos, o que significava menores equipes, espaços de articulação e acesso a outras temáticas, além de menor orçamento.

"A gente já existia enquanto pauta, mas nós éramos uma coordenação, que tem menos acesso às estruturas que a burocracia exige para que a gente faça a política pública acontecer. Hoje a gente tem maior acesso. É nessa dimensão que a gente festeja a criação de uma secretaria nacional", destaca a presidenta da ABGLT.

Em relação aos primeiros passos da secretaria que assume, Symmy conta que deve ser dada atenção às emergências que se apresentam. "Se a gente for pegar os recortes, como o recorte de raça, de gênero e de território, a gente vê que esses são marcadores que vão afastando ainda mais as pessoas do acesso aos direitos. Então são muitas emergencialidades, ainda mais no momento em que essa pauta foi muito perseguida, sobretudo depois desse tema que inventaram de 'ideologia de gênero', que fez uma perseguição às identidades de gênero durante todo esse último período", explica.

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Segundo Symmy, a tarefa da secretaria é gigantesca, porém alguns elementos precisam ser enfrentados com maior brevidade, como implementar as conquistas dos últimos anos que foram acessadas via Poder Judiciário e que foram negadas nos últimos anos. "Eu estou falando sobretudo da criminalização da homotransfopia", explica.

Segundo ela, considerando o crime de transfobia, por exemplo, há que se construir espaços na justiça que enfrente um cenário em que, de acordo com os dados dos movimentos sociais, há três marcadores centrais das vítimas de violências, que são juventude, do gênero feminino e negros.

Os dados divulgados na última quinta-feira pela a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) revelam que pela 14° vez consecutiva o Brasil é o país que mais mata pessoas transsexuais e travestis, com um registro de 131 assassinatos no ano de 2022. Cerca de 91% das vítimas tinham de 18 a 49 anos e pelo menos 76% eram travestis/mulheres trans negras. A pessoa mais jovem assassinada tinha apenas 13 anos. Além disso, 130 assassinatos foram de mulheres trans e travestis e uma de um homem trans.

"É preciso construir as normativas que pensem desde o acolhimento por parte da segurança pública. Como é que tipifica o crime? Que campos a gente tem que criar para visibilizar? Inclusive pra gente não embranquecer uma conquista histórica da pauta de raça. A gente precisa ter esses campos para fazer valer os direitos. Se eu coloco tudo dentro da Lei de Racismo, por exemplo, sem extrair o LGBTQIA+ da situação, eu atrapalho a investigação e a tramitação desse processo", explica.

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Com isso, segundo Symmy, além de proteger a vida das pessoas, é possível garantir a efetiva produção de dados de governo sobre o assunto. Os dados sobre a população LGBTQIA+ no Brasil, em grande maioria, são produzidos por movimentos sociais e instituições independentes, como a Antra.

"Além disso, outro benefício é que a gente constrói o caminho para futuramente, num cenário mais propício, haver uma legislação específica", explica.

Educação em direitos humanos

Outro temas que serão abarcados pela secretaria de Direitos LGBTQIA+ ao longo de sua atuação dentro do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania é a educação. Segundo Symmy, nesse contexto, é necessário vencer uma narrativa moral do ódio que foi instituída.

"É central para gente disputar uma sociedade a partir de um novo paradigma que valorize outros elementos, como empatia, sororidade e respeito. Esse é um desafio gigante, mas, na minha opinião, a gente pode fazer isso sobretudo através da educação, promovendo uma cultura pró-respeito, pró-equidade, pró-diversidade, pró-sororidade", acrescenta.

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No dia 20 de janeiro, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania iniciou a campanha "Construir para Reconstruir" em alusão ao Mês da Visibilidade Trans, celebrado anualmente em 29 de janeiro. O objetivo é conscientizar a sociedade sobre a garantia de direitos e a luta contra o preconceito que atinge pessoas transgênero. Para isso, a ação virtual envolve uma série de publicações digitais nas redes sociais do órgão e matérias especiais revelando os avanços legais em âmbito nacional, além de exemplos internacionais de referência para o Brasil. Symmy Larrat é a porta-voz da campanha.

A secretária e presidenta da ABGLT finaliza dizendo que não chega sozinha na missão de assumir a secretaria e lutar pela garantia das pautas de direitos humanos. Segundo ela, a composição da secretaria é construída sobre a diretriz de maior diversidade em todas as áreas, com gente de diversas regiões do Brasil, do campo, da floresta, de diversas orientações sexuais e diversidade de gênero.

"Dentre as importâncias desta secretaria, eu destaco primeiro a simbologia, por ser uma Secretaria LGBTQIA+ coordenada por uma travesti nortista. A gente não está escondendo nada e estamos colocando para fora do armário todas as letras que a gente pode. Ainda não está suficiente, mas é muito mais do que a gente já teve. Dentro dessa burocracia, estamos conseguindo levar a nossa voz mais adiante. Estamos mais perto das tomadas de decisão e isso é importante não só simbolicamente, mas estruturalmente", finaliza.

'A inserção de pessoas trans na mídia é resultado de um processo de luta por visibilidade de anos', diz ativista.

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