Estudo mostra como políticas públicas afetam a formação de professores para a educação inclusiva

Trabalho encomendadalo pelo Instituto Alana detalha oito cenários na América do Sul e na Europa; Brasil está lista com Maracanaú (CE), Pinhais (PR) e Santos (SP); pesquisadores falam com exclusividade sobre os resultados encontrados. Episódio 157 da coluna Vencer Limites no Jornal Eldorado da Rádio Eldorado.

10 set 2024 - 07h27
(atualizado em 16/9/2024 às 09h52)

Um estudo encomendado pelo Instituto Alana mostra como políticas públicas atingem a formação continuada de professores para a educação inclusiva. A pesquisa apresenta casos na América do Sul e na Europa, escolhidos por sua diversidade de modelos de gestão e riquezas de perspectivas, e porque são ou estão em países signatários da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU). O evento oficial de lançamento está no YouTube.

As cidades brasileiras de Maracanaú (Ceará), Pinhais (Paraná) e Santos (São Paulo) estão na lista, além de Buenos Aires (Argentina), Glasgow (Escócia), Comunidade Autônoma Valenciana (Espanha), e dos cenários gerais em Portugal e no Uruguai.

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"Professores são responsáveis por 60% dos aprendizados dos estudantes da educação básica. E 94% dos professores de salas comuns não têm nenhum tipo de formação continuada em educação inclusiva. Então, colocar esse assunto na agenda do dia é fundamental para garantir que mais de 1,8 milhão de crianças e adolescentes com deficiências hoje na educação básica tenham condições adequadas de aprendizagem, enquanto professores tenham também suas práticas pedagógicas qualificadas para todas as demandas", diz Beatriz Benedito, analista de políticas públicas do Instituto Alana.

Documento

'Educação inclusiva e a formação continuada de professores: aprendizados nacionais e internacionais' - Instituto Alana, Unesco, Vindas Educação Internacional

Em entrevista exclusiva ao blog Vencer Limites e à coluna Vencer Limites no Jornal Eldorado, Luzia Lima-Rodrigues e David Rodrigues, pesquisadores da Vindas Educação Internacional, de Portugal, responsáveis pela condução do estudo, em cooperação com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), falam sobre os resultados encontrados e destacam que a inclusão de fato traz qualidade para a educação.

Luzia Lima-Rodrigues é doutora em Educação pela Unicamp e professora da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal, em Portugal.

David Rodrigues é conselheiro nacional de Educação em Portugal e membro fundador da Associação Nacional de Docentes de Educação Especial (Pró-Inclusão), também em Portugal.

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Vencer Limites - Qual é a função do estudo?

Luzia Lima-Rodrigues - Esse é um estudo multicasos, qualitativo, sobre várias realidades, por meio das percepções dos entrevistados, para compreender como políticas públicas se organizam para dar resposta à formação continuada de professores para a educação inclusiva, para apoiar a inclusão no sistema educativo e nas escolas. Cada lugar tem realidade diferente e, portanto, o sistema se organiza de forma diferente. Fomos buscar dados de cada um desses casos estudados, verificamos legislações, políticas e veículos oficiais de divulgação.

David Rodrigues - É a confluência entre dados objetivos e estruturais, e a opinião de pessoas responsáveis por políticas educativas para responder sobre práticas, dimensões, problemas e processos da formação continuada do professor.

Vencer Limites - É uma defesa da formação continuada para a educação inclusiva? Não é óbvia a necessidade dessa formação?

David Rodrigues - Ainda que seja muito óbvio em termos do senso comum e da ciência, pode ser pouco óbvio em termos das políticas, porque a formação continuada nem sempre é realmente continuada. Muitas vezes temos momentos que não configuram uma verdadeira formação continuada, que têm pouco a ver com o chão da escola, com as verdadeiras necessidades da escola, de desenvolvimento profissional dos professores. Debaixo do chapéu da formação continuada estão muitas práticas que não se configuram exatamente como práticas de formação continuada.

Luzia Lima-Rodrigues - Nem de formação para a educação inclusiva e para o trabalho com a diversidade. Por exemplo, no Brasil, é oferecida especificamente para o Atendimento Educacional Especializado (AEE). Seria como pregar pra convertidos, ou seja, é uma formação para quem já é especialista da área e, dependendo dos sistemas educativos e também do que é inclusão em cada lugar, o professor que não é da educação especial, mas do ensino comum, da sala de aula comum, sente pouca necessidade de fazer a formação porque, afinal, os alunos dele não têm grandes dificuldades ou não precisam de apoio mais específico.

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Vencer Limites - Há um principal destaque no estudo?

David Rodrigues - Em primeiro lugar é a importância das políticas públicas. Formação tem a ver com o funcionamento da escola, com as necessidades dos professores, mas precisa haver um compromisso de políticas públicas que organizem e financiem essa formação continuada. Em segundo lugar é a importância da formação realmente continuada, não apenas no princípio do ano, e que não tem qualquer continuidade.

Luzia Lima-Rodrigues - Encontramos situações nas quais está previsto claramente na legislação que todo aluno tem direito a uma educação de qualidade, mas embora isso esteja previsto, há uma brecha permitindo que essa educação, dita "de qualidade", se passe em escolas segregadas ou em ambientes segregados. Isso tem impacto muito forte na organização da escola e na formação dos professores. Existe uma falha conceptual do que é uma educação de qualidade. Uma educação de qualidade é necessariamente inclusiva, porque a inclusão traz qualidade para educação. Então, eu não posso ter um sistema que permita educação em ambiente segregado porque eu estou diminuindo a qualidade, retirando a qualidade da educação, retirando o direito de todos os alunos de terem uma educação de qualidade.

David Rodrigues - Há uma ideia de que educação inclusiva é para quem precisa, como se a educação inclusiva fosse um remédio para a gripe, para estudantes com necessidades educativas especiais, para os imigrantes, para os alunos com dificuldades. Não é verdade. A educação inclusiva é transversal, é um valor transversal da escola e, sobretudo, a educação inclusiva é hoje considerada um direito educacional, um direito humano e, por isso, nunca devemos pensar que a educação inclusiva é qualquer coisa restrita, qualquer coisa situada em certas pessoas, em certos alunos, em certos professores, em certas escolas, mas pensar que a inclusão é um valor humano, é um valor que tem a ver com Direitos Humanos.

Vencer Limites - Os casos estudados são bons e ruins?

Luzia Lima-Rodrigues - Queríamos uma diversidade. A inclusão é um processo e a educação inclusiva nunca está acabada. Então, estudamos em qual nível de inclusão aquela educação está. Temos casos mais alinhados com os grandes marcos internacionais e outros mais afastadas, mas todos caminham com maior ou menor dificuldade, mais ou menos recursos.

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Vencer Limites - É realmente tão difícil estruturar a formação dos professores de maneira realmente continuada? Por que a temática da educação inclusiva ainda é tão sensível dentro das escolas?

David Rodrigues - Formação é um dos elementos fundamentais para promover educação inclusiva, mas não é o único. Podemos ter uma boa política de formação continuada, uma boa política de formação inicial, mas sem meios para implementar no chão da escola. Organização, vontade e confiança da escola são igualmente importantes para desenvolver políticas. Formação não é a bala de prata da inclusão. É muito importante que, no Brasil, se comece a apostar em conteúdos de educação inclusiva ainda na formação inicial.

Chamado - Segundo o Instituto Alana, a pesquisa faz um chamado à ação para promover mudanças nos sistemas educativos e fortalecer a formação continuada de professores em uma perspectiva coletiva, com o engajamento de gestões públicas, organizações da sociedade civil e dos próprios docentes na promoção da educação inclusiva.

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