Exclusivo: pessoas negras eram apenas 6% da delegação brasileira da última COP

Levantamento feito pela Alma Preta analisou a delegação oficial e das organizações observadoras do Brasil; os dados também indicam uma maior presença da sociedade civil de São Paulo e Rio de Janeiro

4 nov 2022 - 10h19
Colagem de uma mulher negra ribeirinha próxima a um rio e a uma casa de madeira. Na parte superior, há o destaque para o terno de duas pessoas, que representam os homens brancos que participam da COP.
Colagem de uma mulher negra ribeirinha próxima a um rio e a uma casa de madeira. Na parte superior, há o destaque para o terno de duas pessoas, que representam os homens brancos que participam da COP.
Foto: Imagem: Vinícius de Araújo/Alma Preta Jornalismo / Alma Preta

As listas oficiais da 26ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26), em Glasgow, Escócia, demonstram a desigualdade racial existente no debate sobre meio ambiente e clima no Brasil. De acordo com levantamento da Alma Preta, 6,17% dos 665 representantes brasileiros da última Conferência do Clima eram pessoas negras.

Os dados indicam para a maioria de pessoas brancas, representadas em 75,04%, para 0,6% de pessoas amarelas e 4,06% indígenas. A metodologia utilizada pela Alma Preta Jornalismo no levantamento foi a pesquisa em redes sociais e sites públicos dos participantes e a utilização da heteroidentificação para descrever os brasileiros que foram à conferência. O documento não apresenta a autodeclaração dos membros da delegação e a reportagem não localizou 14,14% dos participantes, que ficaram sem uma identificação racial.

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A ativista climática e articuladora do PerifaSustentável Amanda Costa explica que a COP é um espaço embranquecido, porque grande parte das demandas ambientais ainda são tratadas de forma elitizada por uma comunidade epistêmica formada por cientistas, acadêmicos, figuras públicas e outros tomadores de decisão. Essas pessoas, muitas vezes, não estão na base e não partiram de um lugar de vulnerabilidade social.

"Essas pautas ficam esbranquiçadas e vão se distanciando da sociedade brasileira, mas quando a gente analisa criticamente, percebemos que a periferia, as comunidades, as pessoas racializadas, ou seja, pessoas pretas, indígenas e quilombolas, já lidam com as pautas socioambientais diariamente. Por conta do racismo, a gente vai sendo distanciado desses espaços apesar de vivenciar o desafio", pontua a ativista climática.

Os dados desagregados por raça e gênero sinalizam para a hegemonia de homens brancos, que representaram 46,92% do total de participantes. As mulheres brancas foram 28,12% das integrantes da delegação no maior evento sobre clima e meio ambiente do mundo.

As presenças de 3,01% de homens negros e 3,15% de mulheres negras e 1,35% de homens indígenas e 2,71% de mulheres indígenas mostram as dificuldades de acesso de determinados grupos ao encontro. O documento não faz nenhuma indicação sobre a participação de pessoas trans ou não binárias. Entretanto, conforme apurado em matéria anterior da Alma Preta, havia uma mulher trans na delegação brasileira que foi à COP.

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A reportagem também desagregou os dados da delegação oficial do estado brasileiro e da sociedade civil. No primeiro caso, a composição de negros não passa de 4% e de indígenas não chega a 1%. Nas organizações observadoras brasileiras (pessoas de ONGs, sociedade civil, organizações intergovernamentais e órgãos do secretariado das Nações Unidas), a mudança da fotografia geral é a ligeira maior participação de mulheres brancas, 88 pessoas, em comparação aos 84 homens brancos identificados.

No documento da sociedade civil, está registrada a presença de quatro integrantes da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ). A expectativa é de que o grupo participe da COP 27 com 11 pessoas e consiga garantir a ideia de que os povos quilombolas também são protetores das florestas, como conta Biko Rodrigues, coordenador do movimento.

"As comunidades quilombolas estão em todos os biomas brasileiros e são muito importantes para a preservação da biodiversidade, fazem as fronteiras e impedem o agronegócio de se consolidar no campo brasileiro e tem pago um preço muito alto com relação a isso, inclusive com sangue e com algumas vidas de companheiros e companheiras".

Os dados por estados demonstraram as diferenças de participação regional no Brasil. De acordo com a apuração, entre os integrantes da delegação oficial, 106 eram do distrito federal, ou seja, 25,98%. A maior discrepância ocorreu na sociedade civil e organizações observadoras, com a delegação de São Paulo com 26,85% dos presentes e do Rio de Janeiro, com 12,45%.

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Indústria e o Agro

A Alma Preta adotou como critério para definir a sociedade civil pessoas integrantes de ONGs, movimentos sociais, associações, empresas privadas, institutos de pesquisa e imprensa. Foi possível notar a presença de integrantes da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Confederação Nacional do Agronegócio (CNA) entre os nomes da delegação oficial do Brasil, que representa a listagem governamental do país na COP. Entre os integrantes, está Robson de Andrade, presidente da CNI, e outras 8 pessoas ligadas ao órgão. Por parte da CNA, aparece Muni Lourenço Júnior, vice-presidente da associação, e outras 3 pessoas ligadas à instituição.

Reportagem anterior da Alma Preta mostrou que as duas confederações colaboraram com o pagamento de despesas do Estado, mas se negaram a apresentar os recursos mobilizados, bem como não mostraram os valores o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério das Relações Exteriores e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações (APEX).

Nilma Bentes, engenheira agrônoma e uma das fundadoras do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa), acredita que essa decisão é um reflexo da política econômica e ambiental do governo de Jair Bolsonaro (PL), derrotado nas eleições do dia 30 de Outubro.

"Do ponto de vista econômico, o governo está sob a batuta do ministro Paulo Guedes, conhecido seguidor da chamada Escola de Chicago, nada simpático às causas sociais. Não espanta que haja esse vínculo visceral, com tudo que se alinhe à exclusão de segmentos subalternizados e organizações a eles ligados, em representações no espaço nacional e internacional".

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As eleições brasileiras decretaram a vitória de Lula (PT) sobre Jair Bolsonaro. Existe uma expectativa da participação do petista no encontro e uma mudança da política ambiental brasileira, no longo prazo.

"A mudança de governo, embora possa melhorar o quadro, poderá não garantir reduções significativas, a curto e médio prazos, em aspectos ligados a mudanças climáticas. Lutar pelo desmatamento e queimadas zero, extrativismo bruto, agronegócio que não beneficia a população em geral - cerca de 33 milhões de brasileiros estão em condições de insuficiência alimentar, quando o país aparece como um dos mais importantes em produção de alimentos para exportação", explica.

A Alma Preta também pediu uma posição sobre a representação negra e a presença de integrantes da CNI e CNA na delegação oficial para o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério das Relações Exteriores. Até o fechamento da reportagem, nenhum posicionamento oficial foi emitido. As duas confederações, CNI e CNA, não responderam aos questionamentos da reportagem.

Perfil da COP-26 mostra que o debate climático ainda exclui mulheres

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