Em maio de 2020, Fatou Ndiaye ficou conhecida por um motivo indesejado: a adolescente negra se viu no centro de um escândalo de racismo em uma renomada escola particular do Rio de Janeiro.
Quase três anos depois, a filha de migrantes senegaleses se estabeleceu como uma jovem ativista, inspirando um debate nacional sobre as relações raciais.
Às vésperas do Dia Internacional da Internet Segura, celebrado em 7 de fevereiro, ela conversou com a BBC sobre os abusos que sofreu nas redes sociais — e como isso a motivou a reagir.
A jovem de 18 anos tem uma agenda movimentada.
Fatou está ocupada planejando seu estudo universitário nos EUA, fazendo malabarismos para conciliar uma série de palestras sobre racismo em escolas e empresas em todo o Brasil por meio da Afrika Academy — consultoria em diversidade criada por ela — e gerenciando suas contas no Instagram e no Twitter (ambas com mais de 100 mil seguidores).
Mas a ativista ainda é mais lembrada por ter sido vítima de racismo no Colégio Franco Brasileiro, em Laranjeiras, na Zona Sul do Rio de Janeiro.
Alguns colegas de turma dela publicaram mensagens racistas em um grupo da escola no WhatsApp em maio de 2020. Embora o teor das mensagens seja inegável, um longo processo judicial ainda está em andamento, e os pais de Fatou optaram por transferi-la para outra escola.
O episódio ganhou destaque na imprensa porque Fatou não apenas denunciou o incidente à polícia, como também falou abertamente sobre a questão nas redes sociais como forma de fomentar a discussão sobre as relações raciais no país.
Ela também inspirou outros jovens negros brasileiros a fazerem o mesmo.
"Por meio das redes sociais e das minhas palestras, estou em contato constante com pessoas que querem participar do debate e começar a questionar as coisas", afirma Fatou à BBC.
Para as pessoas que se preparam para entrar neste debate, ela sugere duas coisas de cara:
"A primeira é ser autêntico e ser responsável sobre o que eles postam online, pois já há muitas notícias falsas por aí".
A segunda coisa, explica Fatou, é se preparar para muita trollagem.
"Um grande problema da internet para mim é que as pessoas não conseguem diferenciar comentários negativos do que é, na verdade, um crime de ódio. As pessoas se sentem livres para dizer o que querem sem perceber que muitos dos seus pontos são racistas, xenófobos ou caluniosos."
Automoderação
Mais de 180 países no mundo comemoraram o Dia Internacional da Internet Segura em 7 de fevereiro, e o tema escolhido para 2023 é "Quer falar sobre isso? Abrindo espaço para conversas sobre a vida online".
Embora Fatou acredite que as empresas de rede social precisam intensificar suas práticas de moderação e conter o discurso de ódio, ela também vê uma necessidade muito mais urgente de autocontrole por parte do usuário.
"Você tem o direito de discordar de alguém, mas não de atacar alguém. Até que as pessoas entendam isso, não teremos um espaço seguro online."
Dito isso, Fatou enfatiza aos colegas — e potenciais — ativistas que é importante ser calejado. Ela ressalta que críticas e divergências fazem parte do debate e não devem ser levadas para o lado pessoal.
"Você deve estar preparado para ser questionado e lidar com visões opostas. Aliás, acho isso fundamental para o crescimento da pessoa", diz ela.
"Sim, algumas pessoas vão te atacar, mas você não deve ter medo delas."
Isso não significa, no entanto, que essas situações sejam agradáveis — Fatou admite que sua atividade nas redes sociais é capaz de desencadear uma retaliação tão forte que muitas vezes ela evita ler os comentários em suas postagens — algo que ela chama de "mecanismo de defesa".
"Tenho vários amigos negros que são criadores de conteúdo e acabaram fechando suas contas nas redes sociais porque não suportaram o ódio", lembra.
"Você tem que aprender de alguma forma a se proteger um pouco."
'Cada pessoa que para de postar é uma derrota para a gente'
Fatou diz que criar uma "rede de conscientização" para incentivar as pessoas a denunciarem o discurso de ódio é um passo importante para alcançar alguma paz de espírito, mas ela insiste que dar de ombros também é uma estratégia de defesa.
"Os haters querem conflito e geralmente vêm de sexismo, racismo e pura ignorância em relação aos temas sobre os quais estão questionando outras pessoas. Crimes devem ser levados a sério, não me interpretem mal, mas reações violentas dizem mais sobre as pessoas que me atacam do que sobre o que eu posto."
A ativista destaca a importância de ser resiliente diante do abuso e não deixar que ele te afaste das redes sociais.
"Cada pessoa que para de postar por causa de haters significa uma derrota para causas como a luta contra o racismo. Se a gente parar de falar sobre temas delicados, é exatamente isso que os haters querem."
Oportunidades - e ameças - online
Fatou está otimista em relação ao potencial das comunidades online para ampliar o ativismo e engajar as pessoas.
Ela destaca que conseguiu mobilizar apoio nas redes sociais após ser vítima de racismo em 2020, bem antes de a história chegar às manchetes dos jornais.
"Os espaços virtuais ganham cada vez mais importância em nossas vidas. Podemos usar isso para conscientizar sobre racismo e direitos humanos, além de divulgar experiências que às vezes não chegam até você necessariamente por meio da imprensa", ela acredita.
"No meu caso, por exemplo, as pessoas ficaram sabendo como é ser uma jovem negra e filha de imigrantes africanos no Brasil."
Mas Fatou também adverte contra deixar o mundo online tomar conta. Ela lembra que a popularidade veio atrelada a muita exposição quando ela tinha apenas 15 anos — e admite que se sentiu oprimida.
"Eu era só uma menina, mas de repente surgiram pessoas me acusando de negligenciar [um determinado] tema ou pessoa. Eu tinha aulas para assistir", ela ri.
"Para mim, postar conteúdo deve ser algo que você quer fazer — e não algo que você é obrigado a fazer. Você não deve nada a essas pessoas."