Com o objetivo de colaborar na criação de políticas públicas no combate à violência contra a mulher, a Assembleia Legislativa de Pernambuco aprovou um Projeto de Lei que pede especificação de raça e demais fatores em relatórios sobre feminicídio no estado. De autoria das codeputadas Juntas (PSOL-PE), a nova lei altera a de nº 17.394/2021, que institui o Programa de Registro de Feminicídio de Pernambuco.
A ação atenta para o aumento das subnotificações de feminicídio desde o início da pandemia de Covid-19, justificado pelo maior tempo das mulheres em casa junto aos seus agressores, devido ao isolamento. Segundo dados disponibilizados pelo Levante Feminista Contra o Feminicídio, só no primeiro semetre de 2020, 648 mulheres foram mortas - sendo a maioria negra e vivendo em situação de desigualdade social. No ano seguinte, 1319 casos foram registrados, sendo uma mulher morta a cada 7 horas, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Com base nas notificações de violência e morte de gênero, em conversa com a Alma Preta Jornalismo, as codeputadas afirmam que o PL surge como uma forma de ajudar no esclarecimento da necessidade de segregação das informações contidas nos relatórios. Para as parlamentares, além do fator raça, outros fatores também devem estar inseridos nas pesquisas, como a escolaridade, renda domiciliar, renda pessoal, estado civil, ocupação, situação de moradia, condição de ocupação do domicílio e se a vítima era transexual.
Segundo Robeyoncé Lima - advogada negra, primeira deputada transexual do Nordeste e que compõe a mandata coletiva -, o feminicídio é uma ferida aberta na sociedade brasileira e que ações como estas, dispostas no Projeto de Lei, ajudam a fiscalizar os perfis dos casos e combater a crescente dos números, seja através de políticas públicas de prevenção ou de suporte.
"Os números altos de morte de mulheres cis e trans colocam o Brasil no ranking de piores países para as mulheres viverem. E todo mundo sabe quem são as que mais morrem. A população negra nesse país é 55% de acordo com dados do IBGE, e nós, as mulheres negras, somos 23%. Então, é lógico que raça e cor importam", dispara.
A codeputada ainda ressalta a importância de que todas as mulheres, cisgêneras ou transexuais, que protagonizam os quadros de violência e morte de pessoas negras no país, devem ser perfiladas, para um entendimento mais aprofundado de suas condições.
"Estamos falando de um país onde nós somos maioria e sobre nós ainda recaem os piores índices. Inserir o quesito raça e cor nesse projeto pode nos ajudar a fiscalizar para reduzir o crescente assassinato de mulheres negras, sejam elas cis ou trans", finaliza.
Revitimização: mulheres negras são as mais constrangidas em delegacias
Em nota encaminhada à imprensa, a mandata ainda aponta que a postura agressiva do atual presidente, Jair Bolsonaro, somado aos discursos misóginos e racistas estimulam atos de violência contra as mulheres, principalmente as negras e LGBTQIA+.
As parlamentares ainda complementam que o Governo de Pernambuco vem negligenciando as mulheres cis e trans, tratando como pontuais e desconexos os crimes de ódio, que possuem causas complexas e diversas.
"É preciso acabar com a cultura do ódio sofrida por todas as mulheres diversas. Frente aos dados, esse enfrentamento à sociedade patriarcal se torna cada dia mais necessário", finalizam.
Mulheres negras nordestinas são principais vítimas
"O papel da arma de fogo na violência contra a mulher" é o título do estudo realizado pelo Instituto Sou da Paz, que apontou um dado alarmante sobre os casos de feminicídio nos últimos anos. O levantamento, apresentado em 2021, mostrou que a arma de fogo, presente em 51% dos casos de feminicídio, entre os anos de 2012 e 2019, é responsável por vitimar cerca de 70,5% das mulheres negras que ocupam o quadro de vítimas de violência por gênero. A região Nordeste é líder do uso da arma para morte dessas vítimas, presente em 61% dos casos.
A pesquisa nacional do Instituto Sou da Paz ainda aponta que, só em 2019, 45% das vítimas foram mulheres e, dentre essas mulheres vítimas de violência armada atendidas, 48% eram adolescentes e jovens entre 15 e 29 anos, seguidas pelas adultas de 30 a 39 anos (22%), e 61% negras.
Os dados alertam para uma situação que precisa de mais atenção em políticas públicas de prevenção e proteção das vítimas, principalmente as mulheres negras, que protagonizam as estatísticas de morte por gênero. No mapa de evolução mensal dos números de vítimas de violência doméstica e familiar em Pernambuco, de janeiro a junho de 2021, mais de 20 mil mulheres foram vítimas de agressões ou mortes.]
Mulheres negras são percebidas como as principais vítimas de violência sexual