Fluvia procurou 20 escolas e não conseguiu matricular o filho autista

“Quando pergunto sobre inclusão, o tom de voz da pessoa muda”, conta modelo que procura vaga para Pedro há cinco semanas

31 mar 2022 - 14h52

"Vivo em função de tentar matricular meu filho na escola”, desabafa Fluvia Lacerda. Aos 41 anos, a modelo plus size que abriu caminho para tantas outras de sua geração já tentou sem sucesso uma vaga no 2º ano do ensino fundamental para o filho com autismo em 20 escolas paulistanas. Mãe de Lua, 22 anos, e de Pedro, 8, ela morou por muito tempo nos Estados Unidos e voltou para o Brasil em 2018. Em Boa Vista (RR), onde cresceu e viveu nos últimos três anos, Fluvia não teve dificuldade alguma para encontrar uma escola para o filho. Em São Paulo, entre explicações sobre falta de estrutura a justificativas como a necessidade de processo seletivo, garantir o direito de matrícula de Pedro tem sido uma luta árdua. Ela conta os detalhes em entrevista exclusiva.

Fluvia: "ser mãe já é difícil, ser mãe de uma criança deficiente no Brasil é mais difícil ainda."
Fluvia: "ser mãe já é difícil, ser mãe de uma criança deficiente no Brasil é mais difícil ainda."
Foto: Reprodução

Nós - Com tem sido os últimos dias?

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Fluvia - Morei mais da metade da vida fora do Brasil. Os meus filhos nasceram nos EUA (tem outra filha, de 22 anos), voltei para o Brasil, morei os últimos três ano na cidade onde cresci, em Boa Vista, capital de Roraima, e não tivemos problemas com relação à inclusão. Confesso que nem me inteirei muito sobre questões de lei e aspectos legais enquanto morei em Roraima, porque a gente não teve esse problema lá.  

Há quanto tempo está procurando uma escola para o seu filho?

Estou na quinta semana. Morávamos em Roraima, onde matriculamos o Pedro em duas escolas diferentes e foi super de boa. Por questões de trabalho, me mudei recentemente para São Paulo e todo esse processo está sendo um pesadelo, algo inimaginável. Tinha a percepção de que em São Paulo seria mais fácil conseguir vaga para o Pedro, mas depois que passei a desabafar nas redes sociais me dei conta que a realidade é totalmente diferente.

Você visitou escolas particulares ou públicas?

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Já falei com os dois lados da moeda. Por lei, o ensino público tem um fundo direcionado para treinar profissionais e equipar as escolas a fim de auxiliar a criança deficiente no ensino pedagógico. Porém, esse fundo aparentemente não chega ou chega de forma escassa. Sinto que na rede pública há genuinamente uma vontade maior de atender e fazer a prática da inclusão, mas existe zero estruturação e zero financiamento para treinamento de pessoal. Quanto às escolas particulares, vejo que usam subterfúgios para desanimar a família.

Quais subterfúgios?

Eu sempre inicio a procura perguntando se há disponibilidade de vaga para 2º ano do ensino fundamental. A resposta é positiva e então propõem uma reunião com tour para conhecer a escola. Quando pergunto como é a prática da escola sobre a inclusão para crianças com espectro de autismo, a história muda. O tom de voz de quem me atende muda. De repente, a escola não é adequada para o meu filho, é barulhenta porque tem aluno demais ou a equipe para inclusão está sobrecarregada. Ok, mas a lei rege que se existe vaga é proibido negá-la. Se não tem estrutura de mão-de-obra para acolher mais uma criança, a obrigação como instituição educacional é contratar profissionais. Também falam de fazer processo seletivo, porque depende do grau de autismo. Tudo que citam dentro dessas conversas é completamente contra lei. Ficou evidente para mim que eles contam com o fato de que muitas famílias não têm qualquer conhecimento sobre leis nem condições para contratar advogado para lutar por elas, sem contar que não têm forças para lutar. E isso ocorre independentemente da metodologia pedagógica da escola. Procurei por todas, nada deu certo.

O Pedro sente falta da escola?

O Pedro ama ir para escola. Uma das características mais comuns entre os autistas é a necessidade da constância, do ritual, da rotina. Ele está “enjaulado”, então decidi tomar as rédeas montando uma sala de aula dentro da minha casa enquanto não consigo uma escola e estou buscando pedagogos para contratar para me ajudar. Ele é um autista não verbal e ainda não sabe ler e escrever. É uma luta contra o tempo.

E como, você está se sentindo?

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Ser mãe já é difícil, ser mãe de uma criança deficiente, principalmente num país preconceituoso, problemático e complexo como o Brasil, é mais difícil ainda. Quando cheguei ao Brasil e comecei a participar de grupos de famílias com filhos autistas, não entendia por quê essas pessoas viviam nesse modo tão bélico o tempo todo. Agora eu entendo: porque para tudo aquilo que elas precisam é necessária uma guerra. Além de enfrentar diversas questões para dar apoio apropriado aos filhos, essas famílias precisam lutar por um direito que é garantido pela Constituição. Que mãe consegue trabalhar e tocar a vida sabendo que seu filho está em casa sem uma escola para ir?

Fonte: Redação Nós
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