O dia 31 de outubro de 2022 é considerado por Adriano Paiva e Juliana Gonçalves como o mais emocionante e importante de suas trajetórias profissionais. Foram eles os responsáveis por fazer a interpretação em Libras dos discursos do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva no Hotel Intercontinental e na Avenida Paulista, respectivamente.
"Para mim foi um momento de muita emoção, mas de muita responsabilidade, porque na minha cabeça eu queria passar tudo aquilo que o Lula estava querendo passar, não só o que ele estava dizendo mas também o que estava sentindo. Eu queria que quem estivesse em casa sentisse a energia surreal daquele lugar", explica Adriano.
Intérprete e tradutor há 18 anos, Adriano é figura recorrente nos palanque petistas e acompanha Fernando Haddad desde sua primeira eleição para a prefeitura da Cidade de São Paulo. "Eu fiz a posse do Haddad como prefeito em São Paulo e foi muito emocionante", conta ele, lembrando ainda de outros momentos mais marcantes da profissão.
"Outro muito importante para mim foi quando Lula veio pra Zona Leste no final do primeiro turno. Porque aí eu vi os meus, que estavam lá precisando ouvir aquela palavra de apoio, esperança", explica sobre o ato em Itaquera no dia 29 de setembro.
O mar de emoção também pegou Juliana Gonçalves, responsável pelo desafiante anúncio na Avenida Paulista. "Fui intérprete de guerrilha", fala, rindo, e completando que "pulava de um lado pro outro, ajudava na produção. Tem umas imagens de drone que dá para me ver de um lado para outro, passando debaixo de grade", relata. Juliana foi responsável pela tradução e interpretação de Lula em praticamente todos os atos na cidade de São Paulo durante a campanha.
"Foi uma das traduções mais importantes da minha vida, porque juntou o profissional e o pessoal, deu para respirar aliviada depois de quatro anos. Não tem como não se emocionar com aquele monte de gente que o olhar não dava conta", relembra ela que considera que a fala do presidente eleito foi um "discurso com peso de posse".
Em teoria, intérpretes e tradutores de qualquer língua podem atuar por uma hora direto. Na prática, porém, os profissionais se revezam para garantir a qualidade da tradução, por isso Adriano e Juliana estavam prontos para os pronunciamentos. No entanto, ao se depararem com a magnitude da situação e os eventuais conflitos de logística, optaram por se separar e Juliana se dirigiu para Paulista enquanto Adriano fazia o trabalho no hotel.
Uma parceria de sucesso
Ambos começaram cedo no universo da Libras. Aos 12 anos, Adriano se encantou com a língua assistindo um programa religioso que tinha intérprete. "Descobri um curso e fiz. Minha mãe descobriu quando faltava uma aula para me formar, na época era algo bem básico, de dois meses", lembra ele, que depois se formou em Letras/Libras pela UNICID.
Já Juliana foi incentivada por uma professora. "Na época do colegial eu queria fazer Psicologia e uma orientadora vocacional comentou que conhecia uma psicóloga que atendida em Libras. Então, fui atrás de um curso. No fim tenho o diploma em Psicologia mas nunca usei, porque a parte de tradução e interpretação falou mais forte", conta.
Em comum, além de iniciarem na profissão cedo, os dois fazem parte da comunidade LGBTQIAPN+. Adriano é um homem gay e Juliana uma mulher lésbica - o que, para a dupla signfica muito, levando em consideração que Lula fez discurso marcado por referências a grupos identitários.
"Estar eu e o Adriano, duas pessoas LGBTQIAPN+, juntos de uma equipe super diversa que trabalhou nos comícios e nas campanhas fez com o que eu me sentisse incluída. Além disso a pauta LGBTQIAPN+ foi levantada em vários outros momentos da campanha", explica Juliana.
Alinhamento político
Outro destaque na seleção dos intérpretes foi o alinhamento político com o Presidente eleito. "No começo da campanha o Lula teve dois intérpretes de direita no Rio de Janeiro e não pegou muito bem, então o partido começou uma busca por profissionais mais alinhados", revela Juliana.
Tal alinhamento faz com que a dupla reforce a importância do governo petista para a comunidade surda e para suas profissões. "Foi na gestão Lula e Dilma que tivemos políticas públicas efetivas, que foi criado o Prolibras, exame nacional de proficiência em Libras, e houve o próprio reconhecimento da profissão de intérprete e tradutor de Libras", explica Adriano e Juliana.
Ambos citaram também o uso da Libras e das pautas das pessoas surdas de forma capacitista pelo governo Bolsonaro, em especial pela primeira-dama Michelle Bolsonaro. "Era só uma vitrine e que não se sustentou. A Michelle (Bolsonaro) cooptou e usurpou a Libras de uma forma que tornou assistencialista e capacitista, além de desvalorizar o nosso trabalho, que colocou como algo voluntário. Eu posso traduzir e interpretar voluntariamente, mas é antes de tudo um trabalho, eu sou um instrumento de acessibilidade como uma rampa ou um piso tátil, mas sou também um ser humano e se tratando de um instrumento de Língua que exige uma inteligência humana, carregada de interpretações e significados, por isso preciso estudar, investir e receber por isso", finaliza Juliana.
Com o fim das eleições, a dupla segue para outros trabalhos. Adriano destaca os eventos ligados ao movimento negro. "Por conta do mês de novembro acabo me voltando para interpretação de temática afro, algo que fui me aproximando por ser um homem negro, então existem sinalizações específicas de referências aos Orixás, cumprimentos específicos e assim por diante", conta Adriano, lembrando também que junho é um mês movimentado pela celebração do Orgulho LGBTQIAPN+