Quando iniciaram o processo de adoção, Carlos Henrique e Lucas Rabello, casal homoafetivo que está junto há mais de dez anos, não imaginavam que o Dia dos Pais seria tão mágico como é para eles atualmente. Tudo começou em janeiro de 2019, quando foram até a Vara da Infância e Juventude de Araruama, interior do Rio de Janeiro, se informar sobre o que era preciso para adotar uma criança.
Com um longo processo pela frente, o casal precisou entregar documentos, participar de um curso de preparação para adoção e ser entrevistado por assistentes sociais e psicólogos para que, finalmente, pudessem formar uma família.
A habilitação para que pudessem adotar foi aprovada no final de 2019. Inicialmente, o casal pensava em adotar duas crianças de até oito anos. Na fila da adoção, a espera mexeu com eles. "A ansiedade sempre esteve presente na questão da adoção porque o processo é meio burocrático e frio", contou Carlos.
Adoção
O casal decidiu entrar em um grupo de WhatsApp de busca ativa, no qual apenas pessoas habilitadas para adoção podem entrar e, então, conhecer crianças que encontram dificuldades em serem adotadas. "São crianças que têm algum tipo de deficiência, são mais velhas e grupos de irmãos", disse Carlos, que é professor pedagogo.
Um dia, eles souberam que tinha um grupo de três irmãos negros disponíveis para adoção. E tudo que eles sabiam das crianças eram as iniciais dos nomes. "Sem foto e sem nada, foi o suficiente pra saber que eram nossos filhos", disse o professor.
Após o período de aproximação, Carlos e Lucas foram conhecer as crianças no abrigo, Kawã, Edgar e Ketlin. Naquele dia, os primeiros sentimentos de como é ser pai começaram a aparecer. "Fomos chamados de pais no primeiro encontro", disse Carlos, emocionado.
Paternidade
O casal passou pelo período de convivência com as crianças e, no final de 2021, conseguiu adotar seus filhos. Como em qualquer outra adoção, o processo de construção da paternidade foi difícil, uma vez que as crianças precisavam de um tempo para se acostumar com a nova realidade. O casal, inclusive, tentou deixar a casa o mais próxima da realidade que as crianças conheciam para que elas não se incomodassem no início, um exemplo disso é que a família dormia junta na sala no começo da convivência.
Conversas sobre racialidade tiveram espaço desde o bem no início da adoção. "Somos um casal homoafetivo, temos três filhos pretos e nós somos brancos, isso levanta muitas questões", afirmou Carlos.
O professor também contou que eles tiveram um longo trabalho para fazer as crianças se reconhecerem como pretas. "Eles não reconheciam a sua pele e a gente percebia isso muito nas representações simbólicas quando faziam desenhos. A Ketlin se pintava de branca e usava o lápis de cor de pele, o bege, e pintava o cabelo como se fosse liso e loiro", disse.
Identificação racial e racismo
"Existia uma visão distorcida sobre si mesmo. Nossos filhos diziam que não eram pretos e, sim, morenos. A gente sempre teve um pouco de atenção em relação à necessidade da cultura afro. E com os nossos filhos em casa, ficou muito mais evidente que era preciso trabalhar isso. Então, começamos a fortalecer isso neles", contou.
Aos poucos, os filhos foram formando suas identidades. "Foi um processo e é muito difícil pra nós, pais brancos, construir isso junto com eles porque também estamos aprendendo. A gente não sabia sobre cabelo crespo ou tipos de creme. Essa cultura afro se tornou mais presente na nossa família", disse Carlos.
A questão homoafetiva e racial são tratadas até hoje na família, de forma que os filhos possam entender e respeitar, passando o conhecimento adiante. E, como pais de crianças pretas, o casal também precisou ter muitas conversas sobre o racismo, algo que as crianças já sofreram na escola. "A gente tem que promover ensinamentos que eu, como criança branca, não tive, como não correr quanto tem policial por perto", contou.
"Esse mundo é diverso e a gente faz parte dele"
Com mais de 180 mil seguidores no Instagram, o casal cria conteúdo no perfil "Pais de 3", onde eles falam sobre adoção homoafetiva e inter-racialidade, temas que a família vem tentando desmistificar. "A gente vive em uma sociedade plural, com pessoas diferentes, sexualidades diferentes", ressaltou.
"É importante tentar diminuir essa violência e que o mundo perceba que ele é plural. Não existe um mundo de pessoas brancas e hétero, esse mundo é diverso e a gente faz parte dele", afirmou Carlos.
Para Carlos, as pessoas pensam que casais homoafetivos não são capazes de criar filhos ou serem pais, porque isso poderia "influenciar" crianças a serem LGBTQIA+.
"Nosso objetivo é naturalizar famílias homoafetivas por adoção e a inter-racialidade. A gente quer um mundo mais harmônico e mais amável para os nossos filhos", contou Carlos, que tem orgulho do trabalho que tem feito como pai.