O que começou como um ensaio de bodas de 60 anos de seus avós, se transformou em uma iniciativa voluntária que promove a autoestima sênior, com sensibilidade, por meio da fotografia. Esse é o Projeto Relicário, idealizado pela fotógrafa Sibylla Ventura, que desde 2016 registra as nuances da velhice de idosos que vivem em uma casa de repouso do litoral de São Paulo. Agora, em alusão ao Dia Mundial do Idoso, eles protagonizam uma exposição itinerante em estações de trem da capital paulista.
A exposição terá início nesta quarta-feira, dia 5, na estação Socorro, linha Esmeralda da ViaMobilidade de trens metropolitanos, com abertura às 10h30. Serão apresentadas cerca de 20 fotografias, feitas entre 2021 e 2022, que seguirão em estações de São Paulo por seis meses.
Em entrevista ao Terra, a fotógrafa santista Sibylla Ventura explica que tudo começou há seis anos, em seu primeiro ano de fotografia. Ela propôs um passeio romântico para seus avós e fez cliques do casal durante o encontro. As fotos tiveram uma grande repercussão em suas redes sociais, incitando a curiosidade das pessoas por serem fotos românticas de dois idosos, como conta.
Coincidentemente, pouco tempo antes, Sibylla havia conhecido os idosos do Lar Vicentino de Assistência à Velhice, de São Vicente, em uma visita voluntária. Após as fotos de seus avós, ela começou a fazer questionamentos internos sobre como as pessoas viam seus avós, que viviam com a família, e como viam idosos que vivem em um residencial.
Ao conversar com seu avô sobre o que eu poderia fazer de diferente para esses residentes, a resposta foi: “faça algo que te deixe feliz e que também traga alegria para eles”. Assim, Sibylla resolveu usar a fotografia como potencializadora de inclusão. Infelizmente, seu avô não chegou a ver os trabalhos concretizados, pois faleceu aos 84 anos, dois meses depois dessa conversa com a neta.
'Com a cara e a coragem', como conta, Sibylla começou o projeto fotografando 23 idosos do Lar Vicentino ainda no final de 2016. De lá pra cá foram realizados cerca de 15 ensaios, contando com uma ampla pré-produção com ajuda de voluntário da área da beleza, usando roupas de bazar e muita força de vontade.
“A ideia é que eles se sintam estrelas, protagonistas, em um momento deles para eles”, ressalta Sibylla. Ela explica que são ensaios dinâmicos, mas que não interferem na rotina dos idosos. O que ajuda no registro natural são as músicas tocadas durante os ensaios, que entre conversas fazem com que expressões e sentimentos sejam resgatados.
Fortes emoções
Emocionada, Sibylla compartilha que, após os ensaios, sempre recebe “agradecimentos grandiosos” dos idosos. “É algo que não cabe em mim. Todas as reclamações que tenho do lado de fora caem por terra ali. Meus problemas ficam pequenos. Para eles, essa fotos têm um valor absurdo”, diz.
A avó de Sibylla, a primeira modelo sênior da fotógrafa, faleceu em junho deste ano aos 85 anos. Junto com a neta, ela pode ver o projeto se concretizar em exposições. “Ela era apaixonada, achava incrível”, conta a fotógrafa, orgulhosa. Inclusive, foi após a missa de sétimo dia da avó que ela recebeu o convite para a exposição em São Paulo, que era uma de suas grandes metas.
Conviver com a dualidade de vida e morte é um tópico marcante na iniciativa. Além do falecimento de seus avós, ao longo destes anos Sibylla também teve que lidar com a morte de muitos idosos que fotografou. Ela diz que sempre teve dificuldade com a questão mas que, ao mesmo tempo, se surpreende por ter escolhido fazer um trabalho que lida diretamente com "a lei natural de que os idosos se vão".
“Eu crio afinidade com eles, não sou só a fotógrafa. To ali, crio laços, eles me contam coisas pessoais, fazem confissões e, de repente, faço um ensaio e no próximo eles não estão mais lá”, desabafa. Antes dos retratos, a fotógrafa costuma visitar os idosos e passar um tempo com eles, os conhecendo melhor.
Conceito artístico
Apesar de já ter levado o Projeto Relicário a outras exposições pela Baixada Santista, desta vez foi diferente. Com a pandemia, após um ano de pausa nos ensaios, o olhar de Sibylla voltou-se mais à fotografia documental dos idosos, em um processo de investigação visual de luz e sombra. Antes, os ensaios costumavam ser temáticos - como de Natal e Carnaval.
“Quis trazer um olhar documental que homenageia os idosos. Porque, se tratando de um lar de longa permanência, muitas pessoas associam que o idoso que vive lá é triste. Mas não é só isso, muitos gostam muito de estar ali”, conta.
Buscando ressaltar a força e a leveza dos idosos, Sibylla optou por um ensaio com cores que remetem à natureza e ao amor. Com um toque do jardim do lar que os idosos residem, também foi dado destaque às raízes e texturas - que se alinham às fortes linhas de expressões dos idosos.
“Nenhuma pose foi pedida. Tudo foi construído através do diálogo”. Neste ensaio especial participaram cerca de 10 idosos, todos com mais de 70 anos.
Ela espera que a visibilidade da exposição itinerante em São Paulo deixe um legado que impulsione mais pessoas a abraçar a causa da terceira idade com afinco e comprometimento. “Os idosos acabam, muitas vezes, sendo invisibilizados. Eles nunca tem um lugar de destaque nas coisas, estão sempre pra preencher alguns espaços. Mas precisamos dar a eles um lugar de protagonismo”.