'Fui punido por ser gay', diz juiz baiano aposentado compulsoriamente após propor vagas de estágio para LGBTs

Após polêmica com edital para estagiários LGBTQIAPN+, Mário Soares Caym também afirmou em uma entrevista que corregedor é "gay não assumido"

20 mar 2025 - 04h59
Resumo
O juiz Mário Soares Caymmi Gomes foi aposentado compulsoriamente em 29 de janeiro de 2024, acusado de violações de conduta. Ele e entidades LGBTQIAPN+ alegam que a decisão foi motivada por discriminação, devido a ações de inclusão promovidas pelo magistrado.
O juiz Mário Soares Caymmi Gomes
O juiz Mário Soares Caymmi Gomes
Foto: Reprodução/TV Assembleia Legislativa da Bahia

O juiz Mário Soares Caymmi Gomes foi aposentado compulsoriamente em 29 de janeiro de 2024, após um processo administrativo disciplinar (PAD) que apontou “violações ao dever de urbanidade e à conduta irrepreensível esperada de um juiz”. No entanto, o magistrado e entidades ligadas à causa LGBTQIAPN+ afirmam que a decisão foi motivada por discriminação, especialmente devido a um edital lançado por ele para a contratação de estagiários da comunidade LGBTQIAPN+.

A aposentadoria compulsória é a sanção administrativa mais severa imposta a juízes vitalícios e está estabelecida na Lei Orgânica da Magistratura. O caso ganhou repercussão nacional e gerou críticas de organizações defensoras dos direitos LGBTQIAPN+, que destacaram os esforços do juiz em promover a inclusão no Poder Judiciário.

Publicidade

Em entrevista ao Terra, Mário Caymmi afirmou que soube da aposentadoria por meio de sites jornalísticos de pequeno porte de Salvador. O juiz destacou a falta de transparência no processo e relatou que não recebeu o e-mail que, segundo o tribunal, foi enviado para que ele apresentasse sua defesa preliminar. Além disso, afirmou que não foi formalmente notificado sobre a decisão.

“Foi com total surpresa que recebi a notícia da aposentadoria. E não só com surpresa, mas também com indignação. Minha advogada verificou a pauta do plenário e foi informada de que só haveria julgamento em fevereiro. No entanto, o tribunal realizou uma sessão extraordinária em janeiro, e ela não foi comunicada. Existe uma LGBTfobia institucional no meu caso, porque eu faço política afirmativa no tribunal”, afirmou.

O magistrado também alega que já vinha enfrentando perseguição dentro do tribunal de diversas formas, incluindo outro processo administrativo disciplinar ao qual foi submetido. "Não é o primeiro PAD que eu respondo sem nenhuma base razoável de sustentação. Venho sendo alvo de ataques e retaliações, porque eu não simplesmente fico calado ante injustiças".

Além disso, o juiz afirma que foi excluído de grupos de WhatsApp do Tribunal por criticar mensagens homofóbicas e misóginas. "Eles entendiam que as pessoas que diziam isso tinham direito à liberdade de expressão", explicou. Segundo ele, os próprios colegas não aceitam o contraditório. "O Judiciário é um grande concurso de 'miss simpatia', onde todo mundo quer ser simpático com todo mundo, ninguém quer problema com ninguém, e todo mundo vê as coisas erradas e fica calado, não quer comprometer as suas perspectivas de promoção na carreira", acrescentou.

Publicidade

Um dos pontos apontados pelo magistrado como motivo de sua aposentadoria foi um edital que ele lançou para a contratação de estagiários da comunidade LGBTQIAPN+, que, conforme destacou, tinha o intuito de promover a inclusão de pessoas que pouco são vistas no Poder Judiciário, por falta de oportunidade.

“Propus ao TJ-BA a contratação de estagiários exclusivamente LGBTQIAPN+, mas o tribunal me proibiu. Isso é descabido, pois o Supremo Tribunal Federal já decidiu que políticas afirmativas são um desdobramento dos direitos humanos. O Brasil é o País que mais mata pessoas LGBTs, principalmente travestis e transexuais em geral, e essas pessoas não têm acesso ao mercado formal de trabalho. Além disso, todos os juízes e juízas do Estado da Bahia, na época, nomeavam quem queriam como estagiários", explicou.

O edital em questão foi suspenso dias depois pelo desembargador José Edivaldo Rocha Rotondano, então corregedor-geral do TJ baiano, sob o argumento de que havia erros na redação e na “adoção de regras excludentes em desproporcionalidade”. A decisão, no entanto, acabou desencadeando uma troca de críticas públicas entre os dois.

Ao comentar a suspensão em uma entrevista à rádio da Assembleia Legislativa da Bahia, em maio de 2023, Caymmi expressou seu descontentamento, afirmando que a decisão veio de “um corregedor que é gay, ainda que ele não se assuma”.

Publicidade

"O que me causou maior incômodo é que essa determinação tenha vindo de um corregedor que é gay, ainda que ele não se assuma. [...] Já que estamos tratando desse tema relevante, e isso não é fofoca, eu acho que isso tem a ver com o caso: sei que ele é gay porque ele teve um caso com o meu marido, antes dele [meu marido] me conhecer”, disse na ocasião.

Ao Terra, ele afirmou que a fala não teve o intuito de ofender Rotondano. "Não foi para diminuí-lo, para difamá-lo, para dizer que ele é menor. Ele é um desembargador muito inteligente, muito dedicado, ele trabalha muito, e eu não vou negar isso. Afinal de contas, dizer que uma pessoa é gay, para mim, que sou um homem gay casado, resolvido, não é um desserviço, não é uma ofensa", alegou Caymmi.

Em nota, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia afirmou que o processo está tramitando no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e que não se manifesta em questões relacionadas a processos judiciais que tramitam em instâncias superiores ou órgão fiscalizador.

Já o CNJ informou que "não pode opinar a respeito de decisão tomada por tribunal, especialmente a respeito de casos que podem, eventualmente, ser rediscutidos pelo Plenário do próprio CNJ". O Conselho Nacional de Justiça acrescentou que, atualmente, não tramita no órgão nenhum processo contra o magistrado.

Publicidade

Caymmi afirmou que continuará lutando por seus direitos. “Não me arrependo de nada. Fui punido por ser gay e por criticar as injustiças que vi no tribunal. Isso não vai me calar”, disse o juiz.

Fonte: Redação Terra
TAGS
Curtiu? Fique por dentro das principais notícias através do nosso ZAP
Inscreva-se