Gay, Fábio Felix é deputado mais votado da história do DF: “Ainda sofro homofobia na política”

Mesmo fazendo história, deputado ainda se sente inseguro para andar de mãos dadas com o marido na rua

12 out 2022 - 05h00
(atualizado em 18/10/2022 às 18h34)
Fábio Felix: apesar de ser o deputado mais votado da história do Distrito Federal, parlamentar eleito ainda teme andar de mãos dadas com o marido na rua
Fábio Felix: apesar de ser o deputado mais votado da história do Distrito Federal, parlamentar eleito ainda teme andar de mãos dadas com o marido na rua
Foto: Reprodução/Instagram

O menino afeminado que enfrentava dificuldade para ser aceito entre os amigos em Taguatinga, bairro do Distrito Federal, se tornou nesta eleição o deputado distrital mais votado da história da capital nacional. Aos 36 anos, Fábio Felix (PSOL) foi reeleito com 51.792 votos, número cinco vezes mais expressivo do que o que o elegeu pela primeira vez, em 2018.

A reeleição era esperada por ele. Isso porque, com exclusividade ao Terra NÓS, Fábio afirma que percebia seu trabalho sendo bem aceito pela população. Foram várias pautas absorvidas por ele durante os quatro anos do primeiro mandato, sendo a luta pela vacina durante a pandemia de coronavírus a principal delas. Foi Fábio, ainda, o relator da CPI do Feminicídio, que fez uma investigação minuciosa nos serviços disponíveis às mulheres vítimas de violência no DF. O fim da investigação culminou num relatório com mais de 80 recomendações ao poder público e em um programa de auxílio a crianças órfãs do feminicídio.

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“A reeleição eu esperava. Mas ser o deputado distrital mais votado da história do DF foi uma surpresa, um feito que não imaginávamos. O Distrito Federal tem o histórico de eleger pastores e representantes da direita como os mais votados. Essa conquista traz, então, um recado das urnas: a população quer o enfrentamento ao atraso, ao fundamentalismo religioso, quer o fim dos ataques aos direitos fundamentais”, afirma.

Foi em Taguatinga, bairro central do distrito, que Fábio cresceu e começou a entender quão necessário seria aprender a sobreviver. Na escola, sofria violência por ser uma criança afeminada –problema que não diminuiu à medida em que ele foi crescendo. Na adolescência, já morando no bairro Guará, precisou mudar de escola “diversas vezes” pela dificuldade em se adaptar. “O preconceito era exacerbado”.

A dificuldade de adequação fez com que as pautas de diversidade nas escolas e incentivo à educação fossem prioritárias quando Fábio chegou ao legislativo distrital. Ele conheceu a militância aos 16 anos, quando se assumiu para a família e – ufa! – recebeu todo o apoio que até então a vida lhe havia negado. Ao se formar no ensino médio, ingressou na Universidade de Brasília para cursar Serviço Social. Sua militância se expandiu, ganhou forma, cores e, pouco depois, foi ele quem encabeçou a construção do PSOL no distrito. 

Representatividade histórica

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É a todos os que o antecederam que Fábio Felix dedica a vitória – não é expressivo o número de homens gays assumidos dentro da história da política brasileira. Clodovil Hernandes foi um dos primeiros nomes a ganhar destaque dentro do Congresso, apesar de olhar com conservadorismo para pautas condizentes com sua orientação sexual. Político de direita, recebeu críticas dos movimentos LGBTQIA+ por comprar um discurso anti-progressista.

Fábio Felix em campanha: recorde inesperado
Foto: Reprodução/Instagram

Para Fábio, foi o colega de partido Jean Wyllys a principal inspiração. Sua vontade de se fincar na política aumentou depois de o colega precisar se exilar devido a ameaças que sofria por sua posição política e orientação sexual.

“Jean abriu portas para que pessoas como eu ocupassem a política institucional. Mas também é muito simbólica a forma violenta como a política trata as pessoas LGBTQIA+. Ele foi o primeiro alvo do que hoje conhecemos como fake news, tendo sua honra, sua dignidade atacadas e seus direitos políticos impedidos. É inaceitável que um parlamentar legitimamente eleito tenha que renunciar ao mandato pelas ameaças graves que sofre”, afirma.

Fábio diz que, com ele, não é diferente. “Sofro homofobia cotidianamente na política”. Relembra, nesta entrevista, um episódio simbólico que viveu em 2018, quando foi eleito pela primeira vez: “Os deputados se reuniram para escolher quem ficaria com qual gabinete e houve piadinhas homofóbicas sobre a ocupação do gabinete 24. Eu prontamente disse que não tinha problema nenhum em ocupar aquele espaço, que, ao contrário, eu ficaria muito honrado”, conta. 

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Fora da política, a insegurança é ainda maior. Casado desde 2019, o deputado diz se sentir inseguro para andar de mãos dadas com o marido na rua. “Não importa meu cargo, a homofobia está presente sempre. Os olhares julgadores, as piadinhas, as agressões verbais e físicas existem dentro e fora da política”.

Combate à fome

Uma das teclas nas quais Fábio insiste em bater é a abrangência das pautas que pretende priorizar dentro de seu mandato. A principal delas, ele conta, é o combate à fome. Segundo o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre) Daniel Duque, o Distrito Federal foi a unidade da Federação que mais empobreceu entre o primeiro trimestre de 2019 e janeiro de 2021. Hoje, 32% da população vive em situação de fome e de insegurança alimentar na capital do Brasil. 

O mesmo quando se trata das políticas de combate ao feminicídio e de mobilidade urbana. “É urgente criar uma rede integrada de proteção e prevenção da violência contra a mulher. Além disso, quando a pauta é mobilidade urbana, o DF tem uma das passagens mais caras do Brasil e oferece um dos piores transportes públicos do mundo. São feitos repasses de mais de R$ 1 bilhão anuais às empresas de transporte para descumprirem horários, não renovarem a frota e se recusarem a ampliar as linhas e trajetos. É preciso abrir a caixa preta do transporte público e fazer uma nova licitação. É o que pretendo fazer”.

Fonte: Redação Nós
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