Gordofobia: "Fui uma criança gorda e escola foi cruel comigo"

Giulia Donatelli, 20, decidiu estudar pedagogia como resposta ao bullying que sofreu no colégio

7 set 2022 - 05h01
“Lembro de ser constantemente chamada de baleia pelos colegas de escola e acho que esse foi o xingamento que mais ouvi ao longo da vida", conta Giulia
“Lembro de ser constantemente chamada de baleia pelos colegas de escola e acho que esse foi o xingamento que mais ouvi ao longo da vida", conta Giulia
Foto: Arquivo Pessoal

Escolas deveriam proporcionar um ambiente saudável para desenvolvimento de crianças e adolescentes. Todavia, de acordo com dados divulgados pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) 2015, um em cada dez estudantes brasileiros é vítima de bullying, por meio de violência física e psicológica. Entre o grupo potencial de vítimas estão os estudantes com sobrepeso e obesidade, que totalizam mais de 6,4 milhões de crianças, de acordo com pesquisa de 2021 realizada pelo Ministério da Saúde.

Giulia Donatelli, 19 anos, sabe o que é sofrer gordofobia na escola. Gorda desde que nasceu, como ela mesmo se descreve, teve uma difícil jornada no ensino fundamental e médio, sendo vítima constante de colegas de escola, sem uma interferência positiva dos professores e coordenadores para evitar as ‘brincadeiras’ das quais ela era vítima.

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“Lembro de ser constantemente chamada de baleia pelos colegas de escola e acho que esse foi o xingamento que mais ouvi ao longo da vida. Tiveram muitas situações em que os meninos apontavam para mim e diziam ´ah, olha ali a sua namorada´ para ofender os amigos, como se a verdadeira ofendida não fosse eu. Sempre que me arrumava um pouco mais para ir às aulas, ouvia risadinhas de garotos e garotas tirando sarro de mim, como se não tivesse o direito de ter o mínimo de vaidade por ser uma criança gorda”, lamenta a estudante.

Giulia também se lembra, com muita tristeza, de uma dessas ocasiões em que se arrumou para ir à escola e foi surpreendida por um colega: “Eu tinha alisado o cabelo e feito alguma maquiagem para ir à escola e um garoto disse que eu estava bonita. Quando agradeci, ele riu e falou que era mentira, que não tinha como alguém como eu ficar bonita. E esse foi só o início, porque na adolescência ficou bem pior”.

"Não há como esquecer como a escola foi cruel comigo”, relembra a estudante
Foto: Arquivo Pessoal

Embora recebesse apoio da família, é categórica em dizer não recebeu qualquer auxílio dos professores enquanto outras crianças foram pouco gentis com ela. “Cresci me sentindo muito pouco atraente, o tipo de pessoa que nunca chamaria a atenção de outro alguém e, até na adolescência e vida adulta, me sentia extremamente insegura em fazer coisas simples, como usar maquiagem ou roupas que não fossem jeans e camiseta. Não queria chamar atenção, porque sentia que as pessoas iriam rir de mim. A questão de relacionamentos também era uma tragédia, porque eu me sentia merecedora de pouco, por me sentir insuficiente”.

A estudante só recuperou a autoestima quando concluiu o ensino médio e ingressou no ensino superior. “Compreendi que tenho inúmeras qualidades, que posso ser feliz como sou, mas não há como esquecer como a escola foi cruel comigo”.

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Como a escola pode prevenir a gordofobia entre alunos

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece que, para promover a educação integral das crianças e adolescentes, a escola e sua equipe devem estar atentos aos aspectos intelectuais e afetivos na formação de um ser humano crítico, autônomo e participativo.

“Dentro da sala de aula é possível utilizar materiais variados pensados para trabalhar de maneira educativa e preventiva sobre o respeito à diversidade de corpos. Há conteúdos que trazem a questão para o debate antes que seja um problema real vivido no colégio. A escola deve se preocupar em trazer referências que confrontem o estereótipo de beleza e saúde propagado pelos padrões estéticos que tem a magreza como sinônimo de belo e saudável e o gordo como algo errado”, explica Carol Sumie, pedagoga e parte da equipe gestora da Escola Politeia, conhecida por praticar ‘educação democrática’, em São Paulo.

Para a educadora, sentir que está sendo ouvido e respeitado faz com que o aluno se sinta seguro e acolhido. Porém ela ressalta que prevenir novas ocorrências de discriminação contra crianças gordas, no ambiente escolar, é essencial. Por isso, a escola onde atua criou um “Fórum de Mediação de Conflito”, que se apoia no diálogo, na comunicação não-violenta e na justiça restaurativa para garantir empatia e respeito entre os alunos.

Giulia, que está no terceiro ano da faculdade de Pedagogia, concorda com a pedagoga e afirma que sua experiência pessoal será de grande inspiração em sua futura carreira. Ela espera, como professora, tornar a escola um lugar seguro para todas as crianças, inclusive para as ‘fora do padrão’, para que possam se expressar, desenvolver e aprender.

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“Vários estereótipos negativos relacionados às pessoas gordas estão presentes em desenhos e histórias destinadas às crianças: enquanto as princesas são sempre magérrimas e os super-heróis têm corpos fortes e definidos, os vilões são, geralmente, gordos. Pretendo evitar ao máximo essas ilustrações clássicas, carregadas de preconceito, e criar minhas próprias histórias, que contemplem a diversidade, para serem usadas durante o processo educativo”, afirma a futura pedagoga.

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